sábado, fevereiro 05, 2011
Na vida real
Cidade abaixo, fui à Feira da Ladra. Por travessas fui aproveitando o sol, a pé. A feira estava cheia. Muito cheia. Cada vez mais gente diferente, mais turistas, mais novos. Mais compras.
Ouço as conversas do costume. O pessoal estranho à feira afronta os vendedores. Ir para ali bem vestido e regatear não se faz. É como regatear um preço com notas de 50 nas mãos.
- esta camisa tem um buraco.
- Quer novo? isto não é um centro comercial. Quer novo, vá lá.
Tudo Tudo se vende na feira. E se digo que se vende, não é porque alguém estendeu algo num pano no chão e espere comer alguém por otário ( quem comprar uma aparelhagem sem a ligar à corrente, não é otário, é um amante de retro e de bricolage ). Vende-se mais imprestável, partida ou datada peça. É porque há comprador para tudo. Tudo, insisto.
Senão o Sérgio não traria o retrato do miúdo, que filho da mãe de míudo, achou que o spray do irmão mais velho que é da torcida verde o faria mais bonito. Está à venda.
Na banca ao lado, vendem molduras. A dona da casa morreu, por isso não se há-de importar que lhe vendam as molduras muitas, todas com retratos seus. Não os alinharam em ordem cronológica porque não a olharam nos olhos, mas a cada um podiam somar-se 10 anos de vida. Preto e branco, preto e branco, kodachrome.
O cigano mais novo gozava com a pronúncia dos ciganos mais velhos. O cabo-verdiano comprava roupa para a mulher. Os freaks da rasta compravam bolsas amarelas de cintura. O pessoal que não tem net sim ainda existem e são muitos muitos, compra dvd's piratas e cassetes VHS antigas com porno. Sim, gasta-se dinheiro em porno antigo. A mulher continua e continuará a ser peluda, os 80's não passaram. Modernices, talvez um dia mais tarde.
Os camones, de máquina fotográfica à antiga, tiram fotos à quinquilharia mais bizarra e comentam sobre quem poderia comprar tal coisa.
As menina coquetes entram nas duas únicas lojas que vêem, as dos crafts maricas. A tias, nos antiquários do mercado. Na zona mais baixa da feira, a mais pobre - sim dentro da pobreza há castas - vendem-se produtos de super-mercado. Tipo pasta de dentes. Champô. Sabonete. Preservativos de marcas obscuras. Sim, há quem os compre. Mais cima, também ao sol, borracha ainda mais seca, barbatanas às dezenas, fatos de mergulhador, botijas. Pauzinhos dos Epás. Dragonas. Lingerie. Muita.
Vendem-se serviços de chá.
- Quanto é isto?
- é 30. - à careta da mulher, a vendedora emenda - é 30, olhe que isso é porcelana.
- não sei...
- É porcelana, não é ... - e fica por dizer que material de segunda seria esse.
Para os vendedores, os materiais na feira da ladra são sempre nobres, sim. Todos os faqueiros são inox, tudo o que é travessa é casquinha, tudo o que é casquinha é prata, tudo o que é louça é porcelana. Todos os pratos são Cavalinho, tudo o que é Cavalinho é bom. Se for muito-antigo, melhor. O importante é encontrar o preço que faça alguém querer tudo o que já não queremos connosco. E há sempre quem queira.
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4 comentários:
BRILHANTE.
in love with this blog
beatriz verdadeira, és tu?
Que bela descriçao... :)
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