quarta-feira, dezembro 18, 2019

A tribo, uma fábula

Feito de pessoas tão boas como as que os rodeiam - foram eles próprios que um a um a fizeram o que é -  a tribo é capaz de tudo. Mão que ampara ou arquétipo do mal, mestre de horrores indescritiveis ou benesses sem conta, nela todos tudo fazem para ter o que todos querem: descanso. Uns pós de descontentamento inalados de um modo mais profundo num ou noutro, quando novos, fazem-nos arfar constantemente. Daí o ritmo que leva algumas tribos a chegar onde outras não chegam.

terça-feira, dezembro 17, 2019

O contraste

Pessoas que se queixam da ditadura do politicamente correcto: eu sou um de vocês, mas não percebo completamente do que se queixam. Eu nunca ouvi dizer tanta brutalidade como agora. Eu queria que alguém fosse um pouco mais empático, por um lado. Por outro lado, acho que ainda se é demasiado politicamente correcto com demasiadas coisas: religiões, por exemplo. Vendedores de banha da cobra. Taxistas. Donas de casa. políticos politicamente incorretos. Colecionadores de selos. Futebolistas que fogem a impostos. Pessoas que comem com pauzinhos. Pessoas que não são a Joacine. Ciganos. Espera, esses já ninguém os protege. 

sexta-feira, dezembro 13, 2019

Não ha formatos novos e eu preciso de um

Acho que não sou só eu que gostaria de ouvir um programa de radio comentando ao vivo um video da leitura de uma peça de Shakespeare pelo vencedor de um corrida de cavalos contado por uma celebridade portuguesa escolhida numa votação online.

quarta-feira, dezembro 11, 2019

O taxismo explicado por pontos

No outro dia tive de puxar pelos galões de profissional do taxi (do ponto de vista do utilizador), usando todos os ensinamentos que recolhi em muitos anos.
Um dos métodos básicos de criar empatia com um taxista é, como são naturalmente bélicos (estão ao volante de um carro pelo menos 8 horas por dia e habitualmente com poucas horas de sono), arranjar um inimigo comum e muito grande, geralmente "o sistema". Para provar que não estou só um gajo com a mania, pelo meio digo qualquer coisa como "pode ir por aqui, apanhamos a António Augusto de Aguiar e depois podemos dar lá a volta para ir às Picoas". Para um taxista, ver que alguém sabe o nome de uma rua ou outra é prova que sabemos sobre tudo. Feito isto, a semente da indignação justificada começa a germinar.
Estabelecido que estamos do mesmo lado da barricada, podemos então distinguir-nos dos Outros. O taxista começará, mais cedo ou mais tarde, esta narrativa famosa:
"Sabe, há colegas meus que fazem X. Eu não. Amigo, aqui entre nós, eu até podia fazer, mas sou mais sério que isso."
Concordo com a necessidade de gente séria "nesta altura" e continuo a conversa.  Mais à frente na conversa, tiro-lhe o tapete debaixo dos pés devagar. "Ah, mas no que toca a Y, toda a gente faz isso."
O taxista sério deixa de o ser, e eu vou o resto do caminho a vender a ideia que nem fazer X nem Y deve ser olhado com bons olhos. 
Se isto correr bem, não me deixam sair do taxi sem acabar a conversa.
Quando vejo pessoal da minha família que sei que já dependeu do estado para tudo, desde subsídio de desemprego a apoios para abrir empresas, a alinhar com a ideia que "os outros" é que são dependentes de subsídios porque são preguiçosos, sem conseguir entender que, mais cedo ou mais tarde, serão "os outros" de alguma conversa de taxista, fico preocupado:
Nem eu nem ninguém que tente entender a origem destas narrativas tem a paciência de ter uma conversa séria com taxistas e com os seus primos. E há gente que se abusa disto apenas para seu proveito.

sábado, dezembro 07, 2019

Polígrafo, olha isto

40000 peluches são atirados para o ringue, lá dizia o oráculo ontem no telejornal.
Eu sei que os jornalistas não podem explicar tudo com tempo, mas prometerem 40000 peluches e não haver uma imagem em que apareçam mais de 2000 de uma vez é fraude. Isto deixa-me doido, como é que a miudagem vai ter uma noção real do que sao 40000 peluches? 

quinta-feira, dezembro 05, 2019

2020

Estou tão queimado com candidaturas que quando penso no próximo ano, leio vinte-vinte.

quinta-feira, novembro 28, 2019

A relativização ali ao lado

A Joacine despertou o tal debate que nunca foi público por cá: o racismo estrutural existe, mesmo que a palavra "estrutural" não seja muito boa a fazer a vez de "desde sempre e até hoje". Infelizmente o ruído à volta do debate é tanto que é complicado manter isto num nível só. Parece que há que partir isto em dois debates distintos, um mais imediato, onde se desmontam as coisas que não existem senão em conversas de café, o preto preguiçoso ou o preto que volta para a sua terra, e outro abaixo deste, onde se percebem as origens desta conversa de café. Até lá, continuaremos a ter até cerca de 10 níveis de debate, dependendo da vontade de esmiuçar a vida da Joacine, se mete açúcar no café, se é gaga de proposito, o que realmente disse até hoje, se é realmente de esquerda ou se tem ascendente em Sagitário. 

quarta-feira, novembro 27, 2019

O fosso

Num mundo em que toda a gente acha que deve ser criativa, um fosso separa as duas reacções possíveis. De um lado, os humildes e pré-visionários que acham que não têm nada para dizer, porque acham que ser criativo é ser hiperbólico, mágico, indecifrável. Do outro, os visionários, que entendem que qualquer ideia hiperbólica e indecifrável é mágica. No meio desses, 2 ou 3 que realmente fazem magia.
Quando radicalmente optamos por não dizer nada, esse silêncio é tido como ausência. Um convite a encher o mundo de ideias de merda, só porque não há melhores. A criatividade dos outros é o inferno.

terça-feira, novembro 19, 2019

Stream of conciousness, portuguese edition

Já não se fazem coisas assim.

FMI - José Mário Branco

Vou, vou-vos mostrar mais um pedaço da minha vida, um pedaço um pouco especial, trata-se de um texto que foi escrito, assim, de um só jorro, numa noite de Fevereiro de 79, e que talvez tenha um ou outro pormenor que já não é muito actual. Eu vou-vos dar o texto tal e qual como eu o escrevi nessa altura, sem ter modificado nada, por isso vos peço que não se deixem distrair por esses pormenores que possam ser já não muito actuais e que isso não contribua para desviar a vossa atenção do que me parece ser o essencial neste texto.
Chama-se FMI.
Quer dizer: Fundo Monetário Internacional.
Não sei porque é que se riem, é uma organização democrática dos países todos, que se reúnem, como as pessoas, em torno de uma mesa para discutir os seus assuntos, e no fim tomar as decisões que interessam a todos...
É o internacionalismo monetário!

FMI

Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o Mortimore do Meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attaché-case' sai a solução!

FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico para si
FMI Não há força que retorça o FMI

Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!

FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico harakiri
FMI Panegírico pró lírico daqui

Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si, palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, celulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Um encontrão imediato do 3º grau!

FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...

Entretem-te filho, entretem-te,
não desfolhes em vão este malmequer que
bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalte-quer-messe gigantesca,
vem-te bem, bem te vim,
vim na cozinha, vim na casa-de-banho,
vim-me no Politeama, vim-me no Águia D'ouro, vim-me em toda a parte,
vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão,
olha os pombinhos pneumáticos como te arrulham por esses cartazes fora,
olha a música no coração da Indira Gandhi,
olha o Moshe Dayan que te traz debaixo d'olho,
o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho?
nós somos um povo de respeitinho muito lindo,
saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho?

Consolida filho, consolida,
enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde.

Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo,
o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos,
com'ò Astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é?
Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar,
para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta desestabilização filha-da-puta, não é filho?
Pois claro!

E estás aí a olhar para mim, estás aí a ver-me dar 33 voltinhas por minuto,
pagaste o teu bilhete,
pagaste o teu imposto de transacção
e estás a pensar lá com os teus zodíacos: "Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é?" né filho?

Pois não é verdade que tu és um herói desde que nasceste?
A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote!
Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho?
Onde está o teu Extremo Oriente, filho?
Aniki-bé-bé, aniki-bó-bó, tu és Sepúlveda, tu és Adamastor,
pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida!

Entretem-te filho, entretem-te!
Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho,
trabalhinho, porreirinho da Silva,
e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de sanzala em ritmo de pop-chula, não é filho?

A-one, a-two, a-one-two-three

FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Camòniú sanòvabiche! Camóne beibi a ver se me comes!
Camóne Luís Vaz, amanda-lhe co'os decassílabos que eles já vão saber o que é meterem-se com uma nação de poetas!
E zás! enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares,
zás! enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro de Cunhal,
zás! enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro,
zás! enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros,
zás! enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer
e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen,
ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu,
um tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho?
Pois, irreversível, pois claro, irreversívelzinho,
pluralismo a dar com um pau,
nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho?
Olha que porra, deixa lá correr o marfil, homem, andas numa alta, pá,
é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é?

Preocupações, crises políticas pá?
A culpa é dos partidos pá!
Esta merda dos partidos é que divide a malta pá,
pois pá, é só paleio pá, o pessoal não quer é trabalhar pá!
Razão tem o Jaime Neves pá!
(Olha deixaste cair as chaves do carro!)
Pois pá!
(Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?)
É pá, deixa-te disso, não desestabilizes pá!
Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata.
Uma porra pá, um autêntico desastre o 25 de Abril,
esta confusão pá,
a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa...
Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carago,
mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah?
Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah?
Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah?
Meia dúzia de líricos, pá,
meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá,
isto é tudo a mesma carneirada!

Oh sr. guarda venha cá - á,
venha ver o que isto é - é,
o barulho que vai aqui - i,
o neto a bater na avó - ó,
deu-lhe um pontapé no cu, né filho?

Tu vais conversando, conversando,
que ao menos agora pode-se falar...
...ou já não se pode?
Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah?
Estás desiludido com as promessas de Abril, né?
As conquistas de Abril!
Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho?
E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, "não é nada comigo, não é nada comigo", né?
E os da frente que se lixem...
E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada,
precisas de paz de consciência,
não andas aqui a brincar, né filho?
Precisas de ter razão,
precisas de atirar as culpas para cima de alguém
e atiras as culpas para os da frente,
para os do 25 de Abril,
para os do 28 de Setembro,
para os do 11 de Março,
para os do 25 de Novembro, para os do...
... que dia é hoje, hã?

FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho?
"Todos temos culpas no cartório", foi isso que te ensinaram, não é verdade?
Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande. Tenho dito.
A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade?
Quer-se dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular!
Somos todos muita bons no fundo, né?
Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né?
Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-fascistas,
estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá,
as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole
e o Zé é que se lixa,
cá o pintas é sempre mexilhão...

Eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto,
viva o Porto, viva o Benfica,
Lourosa! Lourosa!
Marrazes! Marrazes!
Fora o arbitro! gatuno! Qual gatuno, qual caralho!

Razão tinha o Tonico Bastos para se entreter, né filho?
Entretem-te, filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs
que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores,
entretem-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais,
entretem-te, filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho,
entretem-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar,
entretem-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes,
entretém-te, filho,
e vai para a cama descansado
que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante,
enquanto tu adormeces a não pensar em nada,
milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos
com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá!
Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar da tua vida com o Jimmy Carter,
o Brejnev está a tratar de ti com o João Paulo II,
tudo corre bem,
a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas.
A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias,
ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Muel
que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou!

Vão-te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, estás tu a ver? Que tens tu a ver com isso, não é filho?
Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é?
Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer:
- votas à esquerda moderada nas sindicais,
- votas no centro moderado nas deputais,
- e votas na direita moderada nas presidenciais!
Que mais querem eles? que lhes ofereças a Europa no natal?!
Era o que faltava!

É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes?
toma, para safado, safado e meio, né filho? nem para a frente nem para trás!
e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né?
Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega.

Entretem-te meu anjinho, entretem-te,
que eles são inteligentes,
eles ajudam,
eles emprestam,
eles decidem por ti,
decidem tudo por ti:
- se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia,
- se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão,
descansa que eles tratam disso,
- se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou se hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo!

Descansa, não penses em mais nada,
que até neste país de pelintras se acha normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar!

Descontrai baby, come on descontrai,
afinfa-lhe o Bruce Lee, afinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o horoscópio, dois ou três ovniologistas, um gigante da ilha de Páscoa
e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas!

Piramiza filho, piramiza,
antes que os chatos fujam todos para o Egipto,
que assim é que tu te fazes um homenzinho
e até já pagas multa se não fores ao recenseamento.
Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá!

Dá-lhe no Travolta,
dá-lhe no discossáunde,
dá-lhe no pop-chula,
pop-chula pop-chula,
yeah yeah, jo-ta-pi-men-ta-for-e-ver!

Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti!
Não te chega para o bife? - antes no talho do que na farmácia!
Não te chega para a farmácia? - antes na farmácia do que no tribunal!
Não te chega para o tribunal? - antes a multa do que a morte!
Não te chega para o cangalheiro? - antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir,
cabrões de vindouros!

Hã? Sempre a merda do futuro! E eu que me quilhe!
Pois, pá!
Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu hã?
Que é que eu ando aqui a fazer?
Digam lá! e eu? José Mário Branco, 37 anos,
isto é que é uma porra!
anda aqui um gajo cheio de boas intenções,
a pregar aos peixinhos,
a arriscar o pêlo,
e depois?
É só porrada e mal-viver, é?
"O menino é mal criado", "o menino é pequeno-burguês", "o menino pertence a uma classe sem futuro histórico"...

Eu sou parvo ou quê?
Quero ser feliz, porra,
quero ser feliz agora,
que se foda o futuro,
que se foda o progresso,
mais vale só do que mal acompanhado!

Vá: mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos!

Deixem-me em paz, porra,
deixem-me em paz e sossego,
não me emprenhem mais pelos ouvidos, caralho,
não há paciência, não há paciência,
deixem-me em paz caralho,
saiam daqui,
deixem-me sozinho só um minuto,
vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta!

Deixem-me sozinho, filhos da puta,
deixem só um bocadinho,
deixem-me só para sempre,
tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega,
sossego porra, silêncio porra,
deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só,
deixem-me morrer descansado.

Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado,
eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto,
eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa,
deixem-me só porra!
rua!
larguem-me!
desòpila o fígado,
arreda!
t'arrenego Satanás!
filhos da puta!

Eu quero morrer sozinho ouviram?
Eu quero morrer,
eu quero que se foda o FMI,
eu quero lá saber do FMI,
eu quero que o FMI se foda,
eu quero lá saber que o FMI me foda a mim,
eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se ele tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI,
o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões,
o FMI não existe,
o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma,
o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio,
rua!
desandem daqui para fora!
a culpa é vossa!
a culpa é vossa!
a culpa é vossa!
a culpa é vossa!
a culpa é vossa!
a culpa é vossa!

oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...

(...)
Mãe, eu quero ficar sozinho...
Mãe, não quero pensar mais...
Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer,
ir-me embora, sem sequer ter de me ir embora.
Mãe, por favor!
Tudo menos a casa em vez de mim,
útero maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e me encontrar fugindo...
de quê mãe?

Diz, são coisas que se me perguntem?

Não pode haver razão para tanto sofrimento.

E se inventássemos o mar de volta?
E se inventássemos partir, para regressar?
Partir, e aí, nessa viajem, ressuscitar da morte às arrecuas que me deste.
Partida para ganhar,
partida de acordar, abrir os olhos,
numa ânsia colectiva de tudo fecundar,
terra, mar, mãe...

Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto,
lembrar - nota a nota - o canto das sereias,
lembrar o "depois do adeus",
e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal,
lembrar cada lágrima,
cada abraço,
cada morte,
cada traição,
partir aqui,
com a ciência toda do passado,
partir, aqui, para ficar...

Assim mesmo,
como entrevi um dia,
a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila,
o azul dos operários da Lisnave a desfilar,
gritando ódio apenas ao vazio,
exército de amor e capacetes.

Assim mesmo, na Praça de Londres, o soldado lhes falou:
- Olá camaradas, somos trabalhadores, e eles não conseguiram fazer-nos esquecer; aqui está a minha arma para vos servir.

Assim mesmo,
por trás das colinas onde o verde está à espera,
se levantam antiquíssimos rumores,
as festas e os suores,
os bombos de Lavacolhos,
assim mesmo senti um dia,
a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila,
o bater inexorável dos corações produtores, os tambores.
- De quem é o carvalhal?
- É nosso!

Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso.
Neste cais está arrimado o barco-sonho em que voltei.
Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena.

Diz lá: valeu a pena a travessia? Valeu pois.

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe.
No fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco.
Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos,
o meu canto e a palavra.
O meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram.
A minha arte é estar aqui convosco
e ser-vos alimento e companhia
na viagem para estar aqui
de vez.

Sou português,
pequeno-burguês de origem,
filho de professores primários,
artista de variedades,
compositor popular,
aprendiz de feiticeiro.
Faltam-me dentes.

Sou o Zé Mário Branco,
37 anos, do Porto,
muito mais vivo que morto.

Contai com isto de mim
para cantar e para o resto.

Nota: FMI foi editado originalmente em 1982 no maxi Som 5051106, e reeditado em 1996 em 'Ser Solidário' (EMI-Valentim de Carvalho).



segunda-feira, novembro 18, 2019

Alto lá

Como podem ver, este estaminé está ininterruptamente em funcionamento desde 2006. A qualidade tem vindo a descair, a quantidade também tem vindo a descair, mas eu tou aqui, de pedra e cal.

quarta-feira, novembro 13, 2019

Por exemplo

Um post de uma passagem de modelos, com um homem de barba rija a usar um vestido. Obviamente um ataque ao patriarc... Estou a gozar, não é um ataque a nada. É só um gajo de vestido.
Mas vejo-o a ser usado contra "o gajo do PAN". E é assim que se ganham eleições hoje. Tudo o que é preciso é fazer ruido que ofusque todas as outras mensagens.

Cuidado com as aparências 3

Cuidado já dizia o Casimiro. A sabedoria taxista, no seu saber mais profundo e instintivo, sempre foi como o Casimiro e soube a verdade. Eles são todos iguais devia ser ensinado nas escolas.

Cuidado com as aparências 2

Cuidado com as aparências cuidado. Especialmente aquela conversa de encher chouriço mas embrulhada de indignação, que faz a conversa parecer chouriço a sério.
Não falo da que vem do pessoal do lado de lá, porque isso do pessoal do lado de lá não existe. É mesmo naquele em que votaram.

Cuidado com as aparências

Cuidado Casimiro, dizia o Sérgio Godinho. O pessoal que acha que a musica não era sobre toda a gente está a deixar-se embarretar por uma cantiga nova que soa ao mesmo, só que não.

quinta-feira, novembro 07, 2019

Novembro, 7

Ainda vejo pessoas a partilhar textos e memes sobre a saia do assistente da outra.

domingo, novembro 03, 2019

Era preciso era 2 Joacines

Isto vai andar agitado (fora do twitter dúvido) e nunca mais vai voltar ao mesmo, mas é preciso.
A alternativa é continuar a ouvir gente a dizer que não há racismo, que está tudo bem e continuar a dar espaço ao Ventur* para dizer barbaridades que nem ele acredita.

segunda-feira, outubro 21, 2019

Saudades

Andava a pensar numa caneta específica que não sabia onde estava. Não estava na mochila nem estava na mesa. Durante dias pensei naquela caneta, se ela estaria lá no trabalho. E vi que não tinha comigo algumas canetas importantes.
A caneta leve do traço fino para desenho.
A caneta branca das notas nas reuniões. A caneta preta e dourada das notas das reuniões.
A do pincel, ainda nova e a que ainda mal me habituei.
Depois pensei que se calhar tenho de descansar mais.

terça-feira, outubro 08, 2019

Vai começar

Acabou-se o sossego nesta santa terra.
Um, apoiado pela CMTV e todos os programas da manhã que insistem em vender ideias feitas que soam a verdades. Outro, apoiado por trolls que consomem teorias vindas de uma terra que é suficientemente grande para ter gente que acha que as pessoas não precisam de se ajudar. Juntos, vão encher as redes sociais com clássicos pertencentes aos taxistas há muitos anos, como "isto nunca esteve tão mal", "a culpa é do monhé", "a preta tem é de ir para a terra dela" e afins. Vai ser complicado lidar com isto, mas vou ter de fazer online o mesmo que sempre fiz com os taxistas: ser paciente e perguntar com calma " mas por que é que acha que isso é verdade?"

terça-feira, setembro 17, 2019

Descanso

Só me restam 3 ou 4 embirrações de estimação para me explicar aqui no blog.
Acho que isto acontece porque estou cansado. Acho que tenho andado cansado nos últimos 10, 15 anos. Mas ultimamente tudo me cansa muito mais. Por exemplo, eleições.
Há uns anos tinha paciência para isto, até seguia as campanhas com vontade. Lia programas. Via os debates todos. E gozava o prato. Agora os jornalistas cansaram-me disto. Os politicos não, esses são sempre mais ou menos o mesmo. Mas os jornalistas já não conseguem só servir o público e ajudar a perceber melhor o que é os tais políticos, todos iguais, andam a servir. Agora acham que gozar o prato faz parte do papel deles e servem todos os discursos já gozados, já requentados, continuando a metáfora, numa mistela onde já não ninguém sabe nem quer saber qual era a receita original.

terça-feira, setembro 03, 2019

Há uns anos, votei

Votei Livre há uns anos.
Sem muita noção da bolha em que me encontrava, pensei que ia ser uma vitória histórica do progresso social e blá blá. No dia seguinte às eleições, via mais gente com a mesma incredulidade a comentar a derrota porque toda a gente que conheciam votava Livre também.
Este ano, o Livre apostou no mesmo nicho, mas com mais força. Como se o voto dos mesmos eleitores pudesse ter mais força, tanta que de um se farão dois.
Espero que aqueles cartazes sérios e aquele hino feito à medida de todas as pessoas que vivem entre os Anjos e a ZDB consigam angariar alguns votos extra.

segunda-feira, agosto 26, 2019

Ecologia homeopática, o futuro

Todos os telejornais, blogs, jornais e revistas de encher chouriço fazem artigos a ajudar-me a fazer a minha parte pelo ambiente: largar as palhinhas, usar menos guardanapos de papel e copos de plástico, a reciclagem nem se fala, tudo isto enquanto milhares de milhões de toneladas de carvão, gasolina, petróleo, gás, pneus, pneus, lixo e merda são queimados todos os dias, dia e noite, sem parar. Felizmente eu sei que só assim é que chegamos lá: cada um, individualmente, faz o que pode. Não se pode pedir mais.

quinta-feira, agosto 22, 2019

Eu tou bem

A amazónia à mercê das ONG'S, as casas de banho à mercê do Bloco, os camionistas à mercê de não sei bem quem (tentei perceber mas não muito), o telejornal da sic a fazer tempo com videos tirados do youtube, mas só naquela, há uma season nova de Mindhunter no Netflix.

quinta-feira, agosto 15, 2019

Projectos

Há uns anos, deve ter sido nos tempos da troika, propunham-me "projectos" regularmente. Havia sempre trabalho para fazer em projectos. Mas, preconceito meu, sempre que diziam "projectos", cá dentro ouvia "não temos dinheiro para te pagar", e por isso nunca entrei em nenhum projecto. Foi o mesmo que sempre fiz com as propostas de estágio. Às vezes pergunto-me se teria valido a pena embarcar num desses "projectos". Nunca mais ouvi falar de nenhum.

segunda-feira, agosto 12, 2019

Estava aqui a reparar, parte um

Acabo por fazer todos os posts muito parecidos, nestes final-days deste blog, já meio acabado, quando já é um género de Titanic depois de conhecer um determinado iceberg. A imagem parece não ser a melhor, mas só até enquanto não aparecem elipses em barda. Como naquela novela da TVI em que reparei que há uns cortes feitos com Arial em Paint a indicar os flashbacks. No fundo nada se passa, nada muda, os pobres casam com os ricos, as casas parecem sempre catálogos do mediamarket e da conforama, mas os flashbacks ajudam a encher chouriços com uma facilidade tremenda, são muitos e muito superficiais.

Um pouco como ter uma conversa ao jantar e começar a divagar sobre o jantar de há duas semanas, porque as entradas estavam mesmo boas, assim são os flashbacks da TVI. Quando o passado é o que se passou no feed de instagram há 3 semanas, talvez isto faça sentido.

Mas assim a historia não acaba, o flashback não se distingue do dia de hoje, deve ser quase um passatempo de quem escreve aquilo, ver até onde consegue esticar aqueles àpartes.
O iceberg já fez o seu trabalho, já está escrito o fim, mas vai-se metendo palha no meio, aprendi isto com um ilustrador, quaisquer 2 quadros definem uma acção, qualquer acção é possível de divider inserindo 1 ou mais quadros e assim sucessivamente até que, como na novela da TVI, se possa pensar que a história afinal não acaba com o barco ao fundo.

quarta-feira, julho 10, 2019

Comer com pauzinhos

Estou um bocado cansado do pessoal que anda aí a gozar com a miséria e a advogar que há que ter menos, que no geral, as pessoas têm de ter menos coisas, têm de consumir menos, têm de ter menos, têm de usar menos plásticos, têm de cortar na carne, têm de perceber os outros, têm muito de perceber os outros mesmo quando os outros não percebem nada, têm de fazer muita coisa só porque alguém tem de começar por algum lado e só porque toda a mudança começa em cada um e lembro-me sempre das putas das tampinhas para as cadeiras de rodas, uma inversão da hierarquia do esforço necessário para arranjar tampas e cadeiras de rodas (é só uma puta de uma cadeira de rodas simples, não é daquelas a sério), mais uma espécie malabarismo para os records do guiness combinando ora virtude, ora tampas ora copos ora palhinhas, ora escovas de dentes de bambu, tudo recolhido no fim, vagarosa e homepaticamente contribuindo para que o mundo fique melhor.

quarta-feira, abril 24, 2019

Aniversário

Este blog fez 13 anos há uns dias. Não é uma grande habilidade porque um acto de resistência não é uma virtude. Virtude poderia ser aqui ter comentado e documentado momentos únicos da história, eventos como a minha primeira viagem de comboio, a primeira vez que vi o mar, a invenção da internet, a longa saga dos tempos em que decidi deixar de meter açucar no café, o Passos Coelho e a busca do graal.
Agora tenho pena de não ter o espaço mental para avisar atempadamente toda a gente que ainda segue isto que está tudo bem, toda a gente vai morrer na mesma, mas que é preciso ter em atenção, sem nenhuma ordem de importância, a:

  • Aqueles chicos-espertos do Chega/Basta
  • Toda a gente que diz que é Liberal em vez de dizer que não quer saber de política
  • As pessoas que deixam a CMTV ligada nos cafés
  • A Ana Malhoa
  • O Twitter
  • Ao Marques Mendes
  • Pessoas que pedem gin
  • Todas as pessoas que se auto-intitulam investigadores mas que passam o dia em programas da manhã
  • O Youtube, CMTV aumentada
  • Realidade Virtual, que só existe para 16 pessoas
  • Os outros no Facebook
  • O preço do sushi
  • Comentadores de bola políticos
  • O uso de colheres de plástico

quarta-feira, março 27, 2019

O que eu queria era ser presidente da EMEL

O que eu queria era ser presidente da EMEL. Vi ontem na televisão. Pareceu-me fácil. É que eu tenho vergonha e ele não tinha, por isso queria, não quero. Quero aprender a fazer isso de não ter vergonha e aplicar no meu trabalho, que é melhor. Ao princípio um gajo até pode achar estranho, porque não foi criado por lobos, mas depois é confortável, não é bem mandar, é trabalhar à bolina, não interessa de onde o vento sopra, a direcção do cheque não falha, a rolha sobe, dois coelhos morrem por cajadada com garantia vitalícia.

terça-feira, março 26, 2019

Drafts

Tenho 30 drafts de posts. Vão desde análises profundas e importantes ao estado do universo até a problemas mais urgentes como a qualidade do pão lá no bairro. Não os acabo porque infelizmente estou em estado de alerta permanente e temo que uma das duas aconteça: não sejam bons que chegue para aparecer na Granta ou serem lenha para uma polémica online que me leve a ter de sair da internet e refugiar-me num sítio mais calmo, tipo o teletexto. Pensei que se escrevesse sobre escrever, teria hipóteses de chega à Granta.

segunda-feira, fevereiro 25, 2019

A televisão, 2019

O impacto da Cristina sair da TVI foi subestimado. Despoletou uma reacção cuja bola de neve está ainda no início da descida. A SIC mudou de escritório. A mesa da SIC está maior e tem mais curvas. Parece um ambientador. Quando apresentam infografias no telejornal, acrescentam-lhes efeitos sonoros. A TVI pinta as reportagens com photoshop, metendo layers de riscos e vidros partidos, tudo saido de um daqueles pacotes de texturas comprados na internet por 10 euros. As notícias têm musica de fundo. Ou será só um beat? A TVI faz um programa chamado Circulatura do Quadrado, quebrando a ultima barreira da quase-saudável auto-censura tuga que nos impede de cometer actos conscientemente maus. Temos HBO. O Correio da Manhã anda a vender-se como paladino da verdade e é tão verosímil como vender porno com um olho no pulitzer. Os programas reaccionários da manhã agora também são da noite. A Cristina também passa ao domingo. Até teria pena de quem não tem internet, se não conhecesse o youtube.

domingo, fevereiro 24, 2019

Já não tenho idade para isto

Quando o tempo útil das bandas esgota e continuam a recusar a morte, as bandas fazem albuns-de-merda. Os albuns-de-merda são  proclamados reinvenções, renovações, mudanças de paradigma. Uma tentativa de justificar o esgotamento do que tinham para dizer nos moldes em que se tornaram conhecidos. Exemplo: Os Arcade Fire cansaram-se de fazer o mesmo - até entendo, não podiam fazer aquele revivalismo mais tempo - e passaram a ser revivalistas dos ABBA. Mas quando estes albuns-de-merda começam a ser comemorados, é tempo de largar estas bandas. Uma banda tem um tempo útil (talvez os Depeche Mode sejam os únicos que resistem).

terça-feira, fevereiro 19, 2019

A era da excepção

Tenho saudades dos tempos de menino, como o outro. Nos tempos de menino, um canal único, com apenas umas horas diárias de emissão, passava notícias monolíticas sem contraditório, sem imagens e quase sem oráculos num tom monocórdico. Era a voz do regime. Embalava, como uma máquina de white noise. Preto e branco. Só tinha de me lembrar que tudo podia rebentar a qualquer momento e que nunca daria para perceber como tudo teria começado. A não ser que estivesse atento ao tal pendulo da história, diziam-me. Se bem que este, tão tosco e tao mal definido, nunca chegaria a passar 2 vezes pelo mesmo sítio.
Eram tempos simples.
Hoje em dia, deixei de ver as notícias, vejo apenas os comentários dos que confirmam o que já sei e a informação nova chateia-me. Não quero perder tempo a descortinar qual é a verdade sobre a Venezuela ou o Brasil porque não há como consegui-lo em tempo útil, e eu tenho pouca utilidade para o tempo que não passo a ver memes no telemóvel. Talvez fosse útil aprofundar melhor o meu conhecimento sobre o universo mas dizem-me que a Venezuela só é uma ditadura se fizermos uma excepção às regras das ditaduras, o Trump é um estratega genial se ignorarmos 90% do que diz, o PNR é um partido como os outros porque no papel diz que não é racista, Portugal precisa de partidos liberais porque são diferentes do resto e todas estas considerações que o meu cérebro recusa aceitar depois de ponderar meio segundo.
 

quarta-feira, fevereiro 13, 2019

Scrolling down to oblivion

O spotify anda a enterrar os meus albuns favoritos no fundo de um longo scroll e a meter-lhes uma data bem perto do seu nome, de maneira a que não me escape que todos têm pelo menos 8 anos e que continuo a achar que são dos ultimos. Não posso fazer nada. Os Arcade Fire, por exemplo, deram uma de Cure e para não morrerem de velhos, suicidaram-se num album que parece de outra banda, que infelizmente é ABBA. Agarro-me ao que há, até ao dia em que me meterem os albuns debaixo de um "show more" ou finalmente, numa assinatura premium.

segunda-feira, janeiro 14, 2019

Experiência sensorial

Imagine-se uma colherada de um preparado que, antes sequer de ser provado, já cheira ligeiramente a lixo, de longe, mas que se ignora voluntariamente. Lixo doce. O gosto, que aos poucos se instala na boca mas que já habita o nariz e o céu da boca à conta do cheiro, oscila repetidamente entre algo doce e algo amargo, cruzando-se com as minhas memórias trocadas de cheiros doutros sítios, onde tanto me lembro do inclinar sobre um caixote do lixo cheio de cebolas no verão e o raspar de um grelhador com restos de carne carbonizada, tudo a repetir-se num movimento pendular em cima da minha lingua. Às vezes, parece que tenho borras de café na boca durante meio segundo. Mais uma volta e o sabor doce, parecido com banana, vem mais ao de cima, anulando um pouco o sabor a queimado e dando mais destaque ao sabor a cebola, ficando aos poucos um sabor até agradável, pode dizer-se bom, mas só enquanto não exalo o cheiro disto pelo nariz, que aviva o sabor inicial que já tinha esquecido, como quem aspira uma baforada de fumo de uma lixeira queimada a céu aberto. Também há uns tons de cheiro a presunto. O sabor é bom, parece durante um bocado. Mas assim que passa, fica só o cheiro a lixo. Isto não é uma metáfora.

sexta-feira, janeiro 04, 2019

Os programas da manhã não ficaram maus de repente

A vida da maior parte das pessoas que conheço é demasiado ocupada para perder tempo a ver os programas da manhã.
Para comprovar como os programas da manhã sã um ninho de reaccionários, basta fazerem como fiz há tempos: arrangem uma gripe e fiquem em casa deitados no sofá. Liguem a televisão e apreciem.
Entre os anuncios a mezinhas e panelas, à promoção de umas personagens sombrias, sempre autoritárias e muito zangadas com o mundo.
sempre licenciadas na escola da vida que placidamente vão debitando banalidades sempre violentas, sempre reaccionárias, sempre a promover a intolerância, o desrespeito aos direitos humanos, ao estado de direito, à lei. Aos apresentadores, cabe-lhes a rotina de abanar a cabeça ou um abanar de ombros em sinal de concordancia e pouco mais.
Se isto se passasse diariamente em prime time, acabavam em pouco tempo. Porque os elefantes que se passeiam no meio da sala durante a manhã, descansados da vida e que raramente são tema - também não é todos os dias que branqueiam nazis - seriam apreciados por toda a sociedade e não apenas por quem já foi engolido pela doutrina destes programas.


quarta-feira, janeiro 02, 2019

Primeiros dias

Tomaram banho no dia 1 de janeiro 45 pessoas na Nazaré, 36 na Foz do Arelho, 14 em Carcavelos.
O primeiro bebé de Volta, Oeiras e Idanha-a-nova nasceu com 4 kg e chama-se Gonçalo.
Morreram 13 pessoas nas estradas nacionais.
Já passou o ano na Nova Zelândia.
Comeram-se 16 toneladas de sonhos só na Estremadura.
As cadelas apressadas têm os filhos cegos.
16 emigrantes da Tornada voltaram para o Luxemburgo no mesmo autocarro.
O preço da farinha vai subir.
O paquete Funchal está no mar.
O Algarve e mais algumas regiões tiveram 100% de ocupação.
Os saldos começaram a 26.
Só tenho 2 riscos de bateria no telemóvel para o resto do ano.