quinta-feira, julho 18, 2024

Karaoke sem desafinados

Prometeram-me Karaoke. Eu não sou daqueles que fica feliz com a ideia porque o primeiro pensamento que tenho é que tenho de ir ao castigo. Mas isso é o primeiro pensamento.
Depois penso que a bebida resolve esse problema.
Depois lembro-me que não bebo.
Depois penso que posso só acompanhar e que no fundo o karaoke é um ritual de renovação de confiança: eu confio momentaneamente aos meus semelhantes mais proximos uma das maiores forças e fragilidades do ser humano, o poder da sua voz. Todos passaremos este ritual em sofrimento partilhado, uns mais que outros, mas no fim essa confiança é reafirmada, todos somos iguais na nossa fragilidade de cantar sem preparação, sem expectativas, sem saber.

Grande engano o meu. Isso era a minha ideia de karaoke. O karaoke dos desafinados. De quem já fez karaoke com muitos, poucos, sobrio e ébrio. Com máquina ou só com um cabo de vassoura.

Mas não: O karaoke foi todo feito de musicas educadas. Encontrei o karaoke perfeito. Mais do que cantar, eles querem cantar bem. Mostrar que sabem as letras. Mostrar que conseguem o sotaque. A musica mal se ouvia. Não tive Celine Dion nem Marco Paulo. Não tive duetos internacionais dos anos 80.
 Felizmente continuavam a não conseguir ser afinados, senão tinha adormecido às oito.

segunda-feira, julho 15, 2024

Guia da cidade de Lisboa, II

Saiam de casa na João XXI. Num universo paralelo, vivem numa casa que normalmente existe na montra da Remax. Virem à direita para apanhar a Avenida de Roma. As arcadas brancas dos anos 70 também são vitimas deste recente interesse por vasos muito grandes e pesados. Nada de novo, mas é bom que se fale da variedade de vasos que as pessoas gostam agora, especialmente em arcadas protegidas da chuva e do frio.
Continuam nesta rua paralela à linha do comboio. Se encontrarem uma ponte para o lado de lá, encontram uma parte de Lisboa inacessível, que é sempre uma vantagem. Há restaurantes e lojas para quem tem a determinação de entrar em ruas de sentido unico.

quinta-feira, julho 04, 2024

Guia da cidade de Lisboa, I

Saiam da estação de metro de São Sebastião. Para trás fica o Corte ingles. À frente estão prédios do Estado Novo, com uma pastelaria tradicional portuguesa. Entrem. Experimentem em primeira mão o que quer dizer tradicional.
No meio da experiência de pedir uma torrada vão entender quase tudo o que há para entender sobre Portugal, as pessoas, os hábitos. Se a manteiga torna a torrada numa esponja de gordura ou só um pedaço de pão seco sem alegria na vida. Se a torrada foi trazida com guardanapos num suporte da compal ou só genérico. Ou como o empregado tentou ou não fazer piadas com o pedido. O barulho do prato a bater na mesa de metal também é tipicamente português: demora dez minutos a mais do que estavam à espera, é largado à bruta ou suavemente, para vincar o desprezo pelo pedido ou embrulhar uma desculpa pelo atraso.
De continuarem a descer essa rua, os prédios enormes continuam uns atrás dos outros, acabando no Hipopotamo, a boite. Lê-se buáte.

quarta-feira, abril 24, 2024

Sobre o artista do momento

Tenho de ser advogado do diabo.
Por um lado, um morto. Tenham o pai morto e começam a ver os mortos com outros olhos. Até o Salazar, essa jóia.
Por outro, o símbolo. Não é por acaso que vem à memória uma frase batida: "o respeitinho é bonito". É, é bonito. Mas eu sei de onde vem essa frase, é da sombra da jóia, que não defendia que isso do respeitinho era para todos.
Depois ainda mais dois lados, os do artista. Que por um lado deve fazer o que bem entende numa terrinha habituada à conversa dos "brandos costumes" mas que só insiste nessa conversa porque novamente a jóia passou essa ideia depois dos bons tempos da primeira republica. Mas por outro lado, não deixa de ser o menino habitual, o que faz umas intervenções estéticas, habitualmente removidas por ele mesmo, o que me faz sempre lembrar aquele punk que só fingia que partia a guitarra.
Ou é ou não é. Resolvam-se.

segunda-feira, abril 22, 2024

o que é uma cidade? - 18 anos de PPC

Sentem-se, há espaço à volta da fogueira. 

Há 18 anos, antes de começar este blog, tinham-me mostrado a revista Found. A revista tratava de objectos encontrados na cidade. Na altura ninguém lhe chamaria "storytelling", como toda a gente chama hoje, mas vi a ideia e quis adaptá-la.
Estava optimista. Pensava que ia encontrar muitos objectos perdidos porque na altura andava muito de transportes públicos e a pé. Andava muito, mesmo. Apesar de ainda como hoje, a minha vida ser praticamente casa-trabalho-casa, fazia por não repetir o mesmo caminho 2 vezes. Assim ia descobrindo a cidade como um turista muito incompetente: sempre nas ruas secundárias, nos caminhos mais longos, ruas sem interesse nenhum, a ver se encontrava objectos que me ajudassem a escrever nesse blog.
Não fazia ideia que este tema se ia esgotar rapidamente e que daí a pouco tempos já estaria a escrever sobre a cidade - ou sobre mim, mas isto nunca foi muito profundo, escusam de ir espreitar ao arquivo - só por andar nela.