sábado, fevereiro 10, 2024

Adenda ao post de ontem

A haver uma quantidade absurda de deputados trogloditas no governo, parece-me afinal que não fará diferença e podemos estar descansados, o país não mudará muito. Afinal, não é que o país não seja já racista e muito (sem vergonha nenhuma, é só ligar a televisão ou abrir um jornal ou tentar apanhar um taxi ou ir à segurança social, ou tentar abrir uma conta num banco, ou ser atendido num centro de saúde  ou tentar ir à escola à noite ou ir a uma entrevista de emprego ou tentar alugar uma casa ou vender algo online ou ir a um ginásio ou ser atendido num balcão ou tentar reclamar num restaurante ou ir a um hotel ou contratar uma empregada de limpeza ou apanhar um autocarro às 6 da manha ou viver nos suburbios ou meter os filhos na escola ou pedir ajuda a um polícia ou tentar explicar por A + B que sim racismo existe nem que seja numa infima parte) ou sexista (é só ligar a televisão, ou ler um jornal ou ter uma entrevista de emprego enquanto grávida ou querer um divórcio e ir a tribunal por isso, ser trans - que agora de repente passou a ser um problema também) ou xenófobo ( sem vergonha nenhuma, é só ligar a televisão ou abrir um jornal ou tentar apanhar um taxi ou ir à segurança social, ou tentar abrir uma conta num banco, ou ser atendido num centro de saúde  ir a uma entrevista de emprego ou tentar alugar uma casa ou ser atendido num balcão ou tentar reclamar num restaurante ou meter os filhos na escola ou pedir ajuda a um polícia ou tentar explicar por A + B que sim xenofobia existe nem que seja numa infima parte). Como dizia, para mim, o país não muda muito. Só vou precisar de andar desatento.

quinta-feira, fevereiro 08, 2024

observatório de redes sociais, fevereiro 2024

À beira das eleições, as histórias falsas plantadas nas redes sociais repetem-se. Nada de novo, mas para minha supresa, nada que tenha solução à vista senão abrir mais os olhos e ter atenção a quem se aproveita do desalento dos outros.
Estavamos impreparados. Vingança karmica, por cada dia em que dissemos que os americanos são burros vamos perceber que somos 10 vezes mais burros.
O português é, à sua maneira, inocente. Num plano mais geral, leia-se. Em Portugal somos xicos-espertos. Mas ao nível global, somos uma miséria no que toca a literacia de media. De capacidade de análise. De abstração. De debate. De opinião.
Novamente, à nossa maneira, somos inteligentes, perspicazes e empáticos. Mas ao nível global, somos perspicazes ao nível um-olho-no-burro-outro-no-cigano. Basta o cigano disfarçar-se de burro ou de médico ou político e já confiamos em tudo o que lemos.

A unica coisa que falha nisto tudo é que na verdade muitas dessas notícias falsas são tão falsas que nem sequer são a fantasia molhada da extrema direita, mas a fantasia molhada da extrema esquerda. Exemplo: cancelamento, a fantasia da moda. Aparentemente as pessoas estarão com medo de ser canceladas e esse medo pode ser explorado. Mas tem de ser minimamente assente num medo real.
A historia que li relatava alguém que tinha ido à manifestação nazi e que sendo apanhado pelo patrão, foi despedido na hora. Nos comentários, ninguém acreditava na história, mas pelos motivos errados: a quantidade de erros ortográficos (que, saibam, são propositados para ampliar o alcance do post.)
É impossivel acontecer em portugal porque literalmente ninguém politicamente incorrecto - enviem-me um exemplo, por favor - foi cancelado até hoje. Negros? sim, cancelados. Ciganos? sim. Jornalistas? sim. humoristas de esquerda? sim. Quem dera que houvesse alguém cancelado injustamente para ser um exemplo usado pela extrema-direita todos os dias.
Em Portugal, politicamente incorrecto e a roçar o absurdista, é revelar que o país é muito racista, muito conservador, e que as mulheres devem ganhar o mesmo que os homens. É o tipo de coisa que ninguém escreve no facebook só para não ter de levar com o trogloditas habituais.



quinta-feira, janeiro 18, 2024

desafio

Desafio alguém a encontrar pessoa mais sensível que um apoiante do Ch*nga. Manipulados pela única pessoa do partido com uma cabeça pensante, precisam de o ouvir para que tudo faça sentido, que os acomode como um cobertor quentinho de ódio. Destapem-se do cobertor e ouçam algo ligeiramente distinto da conversa de café e é um ver-se-te-avias de choro porque já não podem dizer nada, porque isto e aquilo e birra de sono porque lhes tiraram a chucha. E os outros, rapaziada, podem dizer o que entendem? Deixem-me ser intolerante, pelo menos, com os que são mais intolerantes que eu.
É preciso repetirem o mantra racista continuamente para que ele faça sentido. Desligue-se o mantra e voltamos a ter pessoas razoáveis, amigos de todos, cientes dos seu preconceitos e capazes de os encarar. Um bocado como um grupo de miudos mal-educados no autocarro que em casa são uns anjos.

sexta-feira, janeiro 12, 2024

Sobre arte moderna, um desabafo

Dizem que se não há nada de bom para dizer, mais vale estar calado. Eu tenho de fazer um esforço demasiado grande para estar calado. Mas aqui que ninguém me ouve:

pá foda-se aqueles videos de arte que passam no instagram que milhares de pessoas que nunca viram um quadro sem ser na televisão e que nunca entraram em lado nenhum para olhar para um quadro mais que 10 segundos e que claro o sobrinho delas de 3 anos também pintava e tal, eu peço por favor: sim, pintem. sim, por favor pintem. Mas provem também a toda a gente de uma vez por todas que toda a arte não é mais que um esquema de lavagem de dinheiro, como os youtubers gostam de dizer. Façam-se pagar caro pela vossa lavagem de dinheiro. Porque antes deles nunca houve ninguem que dissesse ou pensasse o mesmo, nao o vosso pensamento é o mais bonito e original de todos, nao nao é so um preconceito de bimbos com wifi, não não voces são génios e só há genios desde há 10 anos para cá antes era tudo uma salvajaria, dinossauros, pinturas rupestres, churrasco e farturas, nada existiu antes de 2005 isso, as trevas deus as trevas. Espero pelos vossos quadros e pelos quadros dos vossos sobrinhos no museu de Prado, no de arte antiga, no de arte moderna, na galeria da dona gertrudes, no caralho mais velho por favor sim, lavem dinheiro com esses quadros. pintem caralho pintem. E partilhem. No instagram.

terça-feira, dezembro 26, 2023

Um conto de Natal

Dimitri já deixou a Ucrania há muitos anos, apesar do sotaque cerrado parecer o de quem acabou de chegar. Mais de vinte, conta-me pelo retrovisor. Tem saudades da neve e do frio. Diz que Portugal não é bom nisso, fica frio mas sem neve, a única vantagem de haver frio. Com neve, até vinte graus negativos são melhores que os nosso três, quatro graus, vai dizendo. Fica muito entusiasmado quando descreve a neve, deve viver muito o momento de a voltar a ver. Fala da guerra e como vai regressar quando ela acabar. Para ajudar a reconstruir o país. Pelo caminho vai pintando várias vezes a paisagem da Ucrania, florestas cobertas de neve, noites de lua cheia em que a neve deixa a terra iluminada. Conta como tem saudades da sua familia e dos seus amigos e como são as noites de natal na sua terra, que são quase iguais às minhas: na aldeia, sai-se de casa depois da ceia e vai-se de casa em casa, visitando a familia toda, os tios, os primos, os amigos. Pára-se para comer e beber e acabam todos juntos numa casa qualquer, a cantar e a beber. Cá não se canta, não somos assim. Mas de resto, em tudo eramos iguais. Pelo meio, conta-me dos drogados. Odeia drogados. Mas conta, de tempos a tempos de os levar aos dealers. Trabalho é trabalho. Conta-me do casal da semana passada, que foi comprar crack à Amadora. Ele vê e ouve tudo pelo retrovisor. Já viu muita coisa. Diz-me que os dealers e os drogados, era abrir um buraco e metê-los lá dentro. "Têm problemas? eu entendo. Bebam! beber chega bem" - diz-me virado para tras no banco da frente. Continua a história: quando saiam do bairro do dealer, a polícia estava à espera deles. Avisou-os de que iam ser parados. "A polícia já sabe quem são e que vão fazer àquele bairro. Só não apanham os grandes" - com isto faz um gesto de galões no ombro, repete-o várias vezes para que entenda. São parados e revistados. A polícia não encontra nada, nem neles nem no taxi. Dimitri desafia-me a adivinhar onde esconderam o crack. Não me deu tempo de responder: "meteu a droga na cona!". Disse "cona" demasiadas vezes, pode dizer-se. Tinha quase o entusiasmo de quem vê neve pela primeira vez. Quando saí, desejou-me bom natal para mim e para a família, num tom sentido.
Num taxi, é assim o espírito do Natal.