Sinto uma obrigação social de usar taxis, assim como comer em tascos e beber copos nos ultimos bares manhosos do Cais do Sodré.
Protejo um estilo de vida. É como proteger o cante alentejano, a janela do Convento de Cristo ou os travesseiros da Piriquita, mas acusam alguns, menos glamorouso.
Eu uso taxis todas as semanas, redistribuindo o dinheiro que podia gastar num carro e em gasolina, mas onde gastaria a minha paciência. É a minha versão privada de trickle-down-enconomics, no fundo. É parecida com a original, mas envolve várias dimensões para além da económica: há também uma transmissão de conhecimento, de ignorância e de poesia de andaime. No fim, fico eu a ganhar, como na teoria original.
Mas infelizmente, os taxistas estão a deixar de ter piada.
Estão a usar aplicações. São a única parte dentro de um taxi instalada depois de 1995. Como tal distraem-nos, tomam-lhes o foco. Perdem-se. Esquecem-se de ligar o taximetro. Esquecem-se do essencial, falar doutra coisa que não a aplicação - para isso tenho os gajos do Uber - e sofrem.
A pouco e pouco, fui perdendo os longos diálogos com os taxistas onde aprendia sobre a sua mitologia, os ritos, as celebrações: as histórias de juizes poderosos de lá da terra. Dos brutos GNR's do tempo da outra senhora, da tropa, do ultramar e de Lourenço Marques-nunca-Maputo e as histórias de gajas, sempre.
Ver as redes sociais a discutir Bolsonaro e o Ronaldo e deixar de denunciar a apropriação do que era apenas do domínio dos taxistas é grave. É mais um ataque a quem vê o seu estilo de vida ameaçado todos os dias. A opinião sobre putas que antes ouviria de um taxista entre um serviço de Santa Apolónia até Santos, ouço-a agora no conforto do meu lar, no telemóvel, vinda de uma dona-de-casa amiga da minha tia ou de um tipo que até estudou com quem trabalhei em 2001 e que parecia normal. Nunca mais ouvi um taxista a apontar como o problema sexual da gaja do carro da frente lhe afecta a condução e a solicitude com que ele o resolveria de bom grado. Muitos, como eu, estão a deixar de debater estes temas com os taxistas e a afastarem-nos do progresso alcançado na ultima década, quando as putas e stripers dos reality shows portugueses passaram a ver mulheres-poderosas e mulheres-independentes. Ouvir um taxista perguntar "o que acha da Daniela? aquela mulher leva tudo à frente!" é histórico. Tudo isso foi fruto do trabalho emocional feito com taxistas, diariamente, por activistas como eu, prontos a diminuir a distância gigante que separa o banco da frente do banco de trás e a desafiar o status quo e a perguntar: tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta? se aceitar fazer um serviço a um preto, é mais ou menos prejudicado do que se o fizer a um cigano? um gajo rico rouba mais ou menos que um pobre? As putas devem passar recibo ou não? Se um taxista não passa recibo, está a fazer como as putas?
É por isto que apelo à razão e em concreto, à contenção: se as redes sociais promoverem temas controversos e opiniões politicamente incorrectas, lembrem-se onde e a quem pertencem: dentro dos táxis, com os taxistas.
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