sexta-feira, outubro 18, 2024

Medidas drásticas

Lisboa não dá tréguas. Ontem vi que desceu vinte e cinco lugares no ranking de cidades ideiais para startups. Algo se passa. Se durante o regime comunista do Kosta só se viu tudo crescer apesar da perseguição constante aos interesses do grande capital, o que anda agora a fazer o Moeda$ para acontecer esta tragédia? A fábrica de unicórnios está aberta. Será que se descobriu que se abrirmos dois co-works iguais, um chamado "fábrica de Unicórnios" e o outro chamado "co-work para micro-empresas" eles acabarão por dar os mesmos resultados ao fim de um ano se forem só um...co-work?

Não entendo. Estamos a ser comidos todos os dias e ainda assim os nomadas digitais não querem esta merda? mas o que é que querem, caralho? já metemos chocolate no pastel de nata, temos uma Zara do tamanho da baixa, trocámos as estátuas de sitio para terem mais espaço para os tuk-tuks, fizemos do panteão um hub de speed-dating, vendemos o arco da rua augusta, alugamos o mosteiro dos jeronimos para team building, diminuimos o fluor na água, temos leite não-pasteurizado, pode andar-se de burro, lama e alpaca até ao castelo, o metro tem mais avisos em mais dialectos, os tascos são caros que doi e já todos têm opções vegetarianas, a parreirinha do chile foi cancelada, a lx factory já é do lado de cá do vale de alcantara, reabrimos o Mude, o bairro alto tem patine de pub ingles que já nao sai, ha eletricos 28 em todos os bairros, ha workshops de inclusividade na torre de belem, a polícia já fala 4 linguas, todas as manifestações sao feitas em alfragide para não atrapalhar o transito, a taxa turística tem desconto se for paga à saida. O que é que querem mais?

quinta-feira, julho 18, 2024

Karaoke sem desafinados

Prometeram-me Karaoke. Eu não sou daqueles que fica feliz com a ideia porque o primeiro pensamento que tenho é que tenho de ir ao castigo. Mas isso é o primeiro pensamento.
Depois penso que a bebida resolve esse problema.
Depois lembro-me que não bebo.
Depois penso que posso só acompanhar e que no fundo o karaoke é um ritual de renovação de confiança: eu confio momentaneamente aos meus semelhantes mais proximos uma das maiores forças e fragilidades do ser humano, o poder da sua voz. Todos passaremos este ritual em sofrimento partilhado, uns mais que outros, mas no fim essa confiança é reafirmada, todos somos iguais na nossa fragilidade de cantar sem preparação, sem expectativas, sem saber.

Grande engano o meu. Isso era a minha ideia de karaoke. O karaoke dos desafinados. De quem já fez karaoke com muitos, poucos, sobrio e ébrio. Com máquina ou só com um cabo de vassoura.

Mas não: O karaoke foi todo feito de musicas educadas. Encontrei o karaoke perfeito. Mais do que cantar, eles querem cantar bem. Mostrar que sabem as letras. Mostrar que conseguem o sotaque. A musica mal se ouvia. Não tive Celine Dion nem Marco Paulo. Não tive duetos internacionais dos anos 80.
 Felizmente continuavam a não conseguir ser afinados, senão tinha adormecido às oito.

segunda-feira, julho 15, 2024

Guia da cidade de Lisboa, II

Saiam de casa na João XXI. Num universo paralelo, vivem numa casa que normalmente existe na montra da Remax. Virem à direita para apanhar a Avenida de Roma. As arcadas brancas dos anos 70 também são vitimas deste recente interesse por vasos muito grandes e pesados. Nada de novo, mas é bom que se fale da variedade de vasos que as pessoas gostam agora, especialmente em arcadas protegidas da chuva e do frio.
Continuam nesta rua paralela à linha do comboio. Se encontrarem uma ponte para o lado de lá, encontram uma parte de Lisboa inacessível, que é sempre uma vantagem. Há restaurantes e lojas para quem tem a determinação de entrar em ruas de sentido unico.

quinta-feira, julho 04, 2024

Guia da cidade de Lisboa, I

Saiam da estação de metro de São Sebastião. Para trás fica o Corte ingles. À frente estão prédios do Estado Novo, com uma pastelaria tradicional portuguesa. Entrem. Experimentem em primeira mão o que quer dizer tradicional.
No meio da experiência de pedir uma torrada vão entender quase tudo o que há para entender sobre Portugal, as pessoas, os hábitos. Se a manteiga torna a torrada numa esponja de gordura ou só um pedaço de pão seco sem alegria na vida. Se a torrada foi trazida com guardanapos num suporte da compal ou só genérico. Ou como o empregado tentou ou não fazer piadas com o pedido. O barulho do prato a bater na mesa de metal também é tipicamente português: demora dez minutos a mais do que estavam à espera, é largado à bruta ou suavemente, para vincar o desprezo pelo pedido ou embrulhar uma desculpa pelo atraso.
De continuarem a descer essa rua, os prédios enormes continuam uns atrás dos outros, acabando no Hipopotamo, a boite. Lê-se buáte.

quarta-feira, abril 24, 2024

Sobre o artista do momento

Tenho de ser advogado do diabo.
Por um lado, um morto. Tenham o pai morto e começam a ver os mortos com outros olhos. Até o Salazar, essa jóia.
Por outro, o símbolo. Não é por acaso que vem à memória uma frase batida: "o respeitinho é bonito". É, é bonito. Mas eu sei de onde vem essa frase, é da sombra da jóia, que não defendia que isso do respeitinho era para todos.
Depois ainda mais dois lados, os do artista. Que por um lado deve fazer o que bem entende numa terrinha habituada à conversa dos "brandos costumes" mas que só insiste nessa conversa porque novamente a jóia passou essa ideia depois dos bons tempos da primeira republica. Mas por outro lado, não deixa de ser o menino habitual, o que faz umas intervenções estéticas, habitualmente removidas por ele mesmo, o que me faz sempre lembrar aquele punk que só fingia que partia a guitarra.
Ou é ou não é. Resolvam-se.

segunda-feira, abril 22, 2024

o que é uma cidade? - 18 anos de PPC

Sentem-se, há espaço à volta da fogueira. 

Há 18 anos, antes de começar este blog, tinham-me mostrado a revista Found. A revista tratava de objectos encontrados na cidade. Na altura ninguém lhe chamaria "storytelling", como toda a gente chama hoje, mas vi a ideia e quis adaptá-la.
Estava optimista. Pensava que ia encontrar muitos objectos perdidos porque na altura andava muito de transportes públicos e a pé. Andava muito, mesmo. Apesar de ainda como hoje, a minha vida ser praticamente casa-trabalho-casa, fazia por não repetir o mesmo caminho 2 vezes. Assim ia descobrindo a cidade como um turista muito incompetente: sempre nas ruas secundárias, nos caminhos mais longos, ruas sem interesse nenhum, a ver se encontrava objectos que me ajudassem a escrever nesse blog.
Não fazia ideia que este tema se ia esgotar rapidamente e que daí a pouco tempos já estaria a escrever sobre a cidade - ou sobre mim, mas isto nunca foi muito profundo, escusam de ir espreitar ao arquivo - só por andar nela.




sábado, fevereiro 10, 2024

Adenda ao post de ontem

A haver uma quantidade absurda de deputados trogloditas no governo, parece-me afinal que não fará diferença e podemos estar descansados, o país não mudará muito. Afinal, não é que o país não seja já racista e muito (sem vergonha nenhuma, é só ligar a televisão ou abrir um jornal ou tentar apanhar um taxi ou ir à segurança social, ou tentar abrir uma conta num banco, ou ser atendido num centro de saúde  ou tentar ir à escola à noite ou ir a uma entrevista de emprego ou tentar alugar uma casa ou vender algo online ou ir a um ginásio ou ser atendido num balcão ou tentar reclamar num restaurante ou ir a um hotel ou contratar uma empregada de limpeza ou apanhar um autocarro às 6 da manha ou viver nos suburbios ou meter os filhos na escola ou pedir ajuda a um polícia ou tentar explicar por A + B que sim racismo existe nem que seja numa infima parte) ou sexista (é só ligar a televisão, ou ler um jornal ou ter uma entrevista de emprego enquanto grávida ou querer um divórcio e ir a tribunal por isso, ser trans - que agora de repente passou a ser um problema também) ou xenófobo ( sem vergonha nenhuma, é só ligar a televisão ou abrir um jornal ou tentar apanhar um taxi ou ir à segurança social, ou tentar abrir uma conta num banco, ou ser atendido num centro de saúde  ir a uma entrevista de emprego ou tentar alugar uma casa ou ser atendido num balcão ou tentar reclamar num restaurante ou meter os filhos na escola ou pedir ajuda a um polícia ou tentar explicar por A + B que sim xenofobia existe nem que seja numa infima parte). Como dizia, para mim, o país não muda muito. Só vou precisar de andar desatento.

quinta-feira, fevereiro 08, 2024

observatório de redes sociais, fevereiro 2024

À beira das eleições, as histórias falsas plantadas nas redes sociais repetem-se. Nada de novo, mas para minha supresa, nada que tenha solução à vista senão abrir mais os olhos e ter atenção a quem se aproveita do desalento dos outros.
Estavamos impreparados. Vingança karmica, por cada dia em que dissemos que os americanos são burros vamos perceber que somos 10 vezes mais burros.
O português é, à sua maneira, inocente. Num plano mais geral, leia-se. Em Portugal somos xicos-espertos. Mas ao nível global, somos uma miséria no que toca a literacia de media. De capacidade de análise. De abstração. De debate. De opinião.
Novamente, à nossa maneira, somos inteligentes, perspicazes e empáticos. Mas ao nível global, somos perspicazes ao nível um-olho-no-burro-outro-no-cigano. Basta o cigano disfarçar-se de burro ou de médico ou político e já confiamos em tudo o que lemos.

A unica coisa que falha nisto tudo é que na verdade muitas dessas notícias falsas são tão falsas que nem sequer são a fantasia molhada da extrema direita, mas a fantasia molhada da extrema esquerda. Exemplo: cancelamento, a fantasia da moda. Aparentemente as pessoas estarão com medo de ser canceladas e esse medo pode ser explorado. Mas tem de ser minimamente assente num medo real.
A historia que li relatava alguém que tinha ido à manifestação nazi e que sendo apanhado pelo patrão, foi despedido na hora. Nos comentários, ninguém acreditava na história, mas pelos motivos errados: a quantidade de erros ortográficos (que, saibam, são propositados para ampliar o alcance do post.)
É impossivel acontecer em portugal porque literalmente ninguém politicamente incorrecto - enviem-me um exemplo, por favor - foi cancelado até hoje. Negros? sim, cancelados. Ciganos? sim. Jornalistas? sim. humoristas de esquerda? sim. Quem dera que houvesse alguém cancelado injustamente para ser um exemplo usado pela extrema-direita todos os dias.
Em Portugal, politicamente incorrecto e a roçar o absurdista, é revelar que o país é muito racista, muito conservador, e que as mulheres devem ganhar o mesmo que os homens. É o tipo de coisa que ninguém escreve no facebook só para não ter de levar com o trogloditas habituais.



quinta-feira, janeiro 18, 2024

desafio

Desafio alguém a encontrar pessoa mais sensível que um apoiante do Ch*nga. Manipulados pela única pessoa do partido com uma cabeça pensante, precisam de o ouvir para que tudo faça sentido, que os acomode como um cobertor quentinho de ódio. Destapem-se do cobertor e ouçam algo ligeiramente distinto da conversa de café e é um ver-se-te-avias de choro porque já não podem dizer nada, porque isto e aquilo e birra de sono porque lhes tiraram a chucha. E os outros, rapaziada, podem dizer o que entendem? Deixem-me ser intolerante, pelo menos, com os que são mais intolerantes que eu.
É preciso repetirem o mantra racista continuamente para que ele faça sentido. Desligue-se o mantra e voltamos a ter pessoas razoáveis, amigos de todos, cientes dos seu preconceitos e capazes de os encarar. Um bocado como um grupo de miudos mal-educados no autocarro que em casa são uns anjos.

sexta-feira, janeiro 12, 2024

Sobre arte moderna, um desabafo

Dizem que se não há nada de bom para dizer, mais vale estar calado. Eu tenho de fazer um esforço demasiado grande para estar calado. Mas aqui que ninguém me ouve:

pá foda-se aqueles videos de arte que passam no instagram que milhares de pessoas que nunca viram um quadro sem ser na televisão e que nunca entraram em lado nenhum para olhar para um quadro mais que 10 segundos e que claro o sobrinho delas de 3 anos também pintava e tal, eu peço por favor: sim, pintem. sim, por favor pintem. Mas provem também a toda a gente de uma vez por todas que toda a arte não é mais que um esquema de lavagem de dinheiro, como os youtubers gostam de dizer. Façam-se pagar caro pela vossa lavagem de dinheiro. Porque antes deles nunca houve ninguem que dissesse ou pensasse o mesmo, nao o vosso pensamento é o mais bonito e original de todos, nao nao é so um preconceito de bimbos com wifi, não não voces são génios e só há genios desde há 10 anos para cá antes era tudo uma salvajaria, dinossauros, pinturas rupestres, churrasco e farturas, nada existiu antes de 2005 isso, as trevas deus as trevas. Espero pelos vossos quadros e pelos quadros dos vossos sobrinhos no museu de Prado, no de arte antiga, no de arte moderna, na galeria da dona gertrudes, no caralho mais velho por favor sim, lavem dinheiro com esses quadros. pintem caralho pintem. E partilhem. No instagram.