É fácil criar histórias fáceis com imagens fáceis.
Uma história fácil é aquela que é construida sempre que há um bombardeamento ou um terramoto algures: Um fotógrafo pró-activo pega num peluche ou uma boneca que leva num saco, enche-o de pó, coloca-o numas ruinas, estuda a composição e está feito. Essa foto vai chegar às páginas de um jornal, e cada jornal terá a sua versão desta foto. A mensagem daquela foto perdeu-se por vulgarização, e entretanto cristalizou como formato. Deixou de ser um conceito e passou a ser um género. É só um género de foto, agora: a versão fotográfica do "menino chorando", o pathos-pop, pornografia para jornais. Já não choca porque é uma repetição, da exposição e do apelo.
Hoje apareceu aquela imagem daquela praia. Irá acontecer-lhe o mesmo.
2 comentários:
Aylan Kurdi de três anos foi uma das cinco crianças que morreu na quarta-feira, dia 2 de Setembro, enquanto tentava chegar à ilha grega de Kos, não é uma imagem.
Mas em parte concordo consigo: há uma banalização de imagens de crianças mortas ou moribundas, em particular as da África Subsariana e do Sahel. Os fotojornalistas andam sempre à cata de um rosto, de uma expressão, para sua própria fama e glória, para serem lembrados, quem sabe, como se isso fosse o mais importante. E não me refiro a fotógrafos como Sebastião Salgado, pelo qual nutro um profundo e reverente respeito. Afinal, esses desceram aos quintos dos infernos, aos desertos de fome e aos infernos verdes...e nunca mais foram os mesmos. A experiência marcou-os profundamente. Algo deles morreu naqueles lugares. E alguns morreram naqueles lugares.
Mas há um nicho de mercado para as imagens trágicas, lá isso há, avidamente explorado pelas televisões, e consumidores pornograficamente voyeristas dessas imagens. Um asco! Há até reportagens televisivas de tragédias humanas "embelezadas", sabe-se lá por quem, com música de fundo, com violinos e tudo, como se a realidade fosse um filme de Hollywood, para rápido consumo e deleite. E passam-nas assim em horário nobre, em certos telejornais.
Dito isto e ainda assim, não considero que a mensagem daquela foto se tenha perdido. Tocou a muitos, estou certo, e tocou-me também, ver o pequeno Aylan, de três anos, morto na areia - e acredite que só tive coragem de o olhar de relance – o suficiente para perceber.
Mas creio que se o Aylan fosse um menino preto, da África profunda, nem metade dos que se sentem tocados pela sua morte sentiriam o que sentem agora, em parte por causa da vulgarização das imagens a que se refere, em parte por não se identificarem com as crianças negras. Aylan era caucasiano, branco portanto, como a maior parte dos europeus e dos filhos dos europeus. Aylan era sírio.
A imagem da praia... A sua banalização... Não consigo aceitar que para mostrar a tragédia se tenha de sacrificar alguém, mesmo depois da sua morte, e que se tenham de esmiuçar e tornar públicos todos os pormenores que só os mais íntimos deveriam conhecer.
O meu comentário aqui deve-se exclusivamente à forma como abordou o assunto, ao chamar a imagem da praia. Nem sei porque li o post, porque o título revelava claramente do que se tratava, e pelos motivos que referi tenho-me escusado a ler tudo o que se relacione com ele, mas ainda bem que o li, porque me mostrou que há quem possa falar dele de forma sensível e honesta.
Teresa
Enviar um comentário