Imagine-se uma colherada de um preparado que, antes sequer de ser provado, já cheira ligeiramente a lixo, de longe, mas que se ignora voluntariamente. Lixo doce. O gosto, que aos poucos se instala na boca mas que já habita o nariz e o céu da boca à conta do cheiro, oscila repetidamente entre algo doce e algo amargo, cruzando-se com as minhas memórias trocadas de cheiros doutros sítios, onde tanto me lembro do inclinar sobre um caixote do lixo cheio de cebolas no verão e o raspar de um grelhador com restos de carne carbonizada, tudo a repetir-se num movimento pendular em cima da minha lingua. Às vezes, parece que tenho borras de café na boca durante meio segundo. Mais uma volta e o sabor doce, parecido com banana, vem mais ao de cima, anulando um pouco o sabor a queimado e dando mais destaque ao sabor a cebola, ficando aos poucos um sabor até agradável, pode dizer-se bom, mas só enquanto não exalo o cheiro disto pelo nariz, que aviva o sabor inicial que já tinha esquecido, como quem aspira uma baforada de fumo de uma lixeira queimada a céu aberto. Também há uns tons de cheiro a presunto. O sabor é bom, parece durante um bocado. Mas assim que passa, fica só o cheiro a lixo. Isto não é uma metáfora.
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