quinta-feira, outubro 23, 2014

Lisboa autofágica

O português tem um orgulho desmedido da sua comida. Vejo isto todos os dias, no orgulho com que recomendamos aquele tasco, o restaurante escondido que conhecemos e que, como iluminados, mais ninguém conhece, um prato de bacalhau que só há cá, o peixe só daquela tasca. É um dos produtos do país mais visíveis e dos que vendemos mais para quem cá vem, tanto comercialmente como culturalmente. Os restaurantes são do mais importante que temos, enquanto destino turístico. Mas não pela qualidade gastronómica. Os nossos pratos sabem sempre bem e isso é ponto assente. Não admira: usamos toneladas de condimentos, ervas, vinho, molhos, tudo para disfarçar o gosto original de tudo. E fica bom. Até pode ser carne má, peixe morto, não quero saber. Toda a gente sabe o que são as "grelhadas mistas" e a carne-ao-piri-piri. Não interessa. O que interessa é que lhe deram a volta e sabe bem. Os tascos funcionam assim e eu, declaradamente, gosto.

Vivermos habituados a este porto seguro que é a comida tem promovido a comida como negócio, repetindo-se até ao infinito em ofertas iguais, espalhadas pela cidade e pelo país. O modelo é sempre igual, pegue-se em algo tradicional e misture-se com o novo e é sempre bom. Soa bem? sim, mas a nossa comida real não é slow-food, essa espécie de versão heroica da fast food. A fast food usa truques básicos para nos enganar, adoçando tudo com açucar. A slow food que andam a vender adoça tudo com azeite premium, quadros de gis ( com letras manhosas ) e pechisbeques parecidos com antiguidades pelas paredes.

Isto dos restaurantes novos é como os minetes, toda a gente acha que é o melhor do mundo naquilo, mas na realidade só uns quantos é que se safam. É deixá-los estar.



Disclaimer: eu gosto de tascos genuínos e de tudo, desde que tudo seja só o que é.