terça-feira, fevereiro 25, 2014

Nostalgia

Já estou aqui há um par de meses. No outro dia comecei a enumerar as saudades, e a dado momento na lista volto aos tascos. E Lisboa. O rio e o Cais do Sodré.
Uma coisa que tenho saudade dos tascos é o tempo. Aqui não há tempo. Estes tipos acham que trabalham muito porque estão muitas horas a trabalhar. Nós trabalhamos melhor, e isto está directamente relacionado com o tempo no almoço. Ir a um tasco bate qualquer restaurante americano no que toca a atendimento. Aqui são provavelmente mais solícitos, mais rápidos, e as doses são ainda maiores que num tasco. Até oferecem toda a coca-cola e água com gelo que quisermos.
Mas perco muito tempo a escolher o que quero comer. Dão-me sempre opções. E eu não quero opções, não quero pensar em opções. Acho que mereço não pensar em opções já que estou a pagar pelo trabalho de outros - aqui só estarei a pagar se pagar gorjeta, o que é uma tanga de uma sistema - para me servirem. Isso devia estar incluido no preço. Mas não: hamburguer? mal, bem, médio? Batatas? chips, fries, sweet? sauce? sour, mayo, spicy, medium spicy? Coke? small ( big ), medium, large? E depois disto tudo, quando acabo o prato, o que é dizem? nada. Passados 10 segundos de largar os talheres, metem a conta na mesa e desaparecem. Fazem isto até num restaurante vazio e sem mais clientes a chegar.
Mas eu entro no tasco e o sr. Martins já sabe que eu quero aquele prato que está a sair pouco nesse dia mas que está especialmente bom. Eu vou insistir no bitoque e vou ouvir que me vou arrepender. Ou no outro tasco, onde o outro gajo me pergunta se já alguma vez me arrependi de comer o que ele disse para comer. E vou comer com calma e esperar 10 minutos até me perguntarem se quero mais alguma coisa, o cafézinho ou a sobremesa, mais 5 minutos para o café e depois de pedir 2 ou 3 vezes, lá vem a conta. Isto é que é vida.

sábado, fevereiro 22, 2014

Daqui à distância



Este país aqui é enorme, novo, e feito por gente que não é de cá - aos de cá limparam-lhes o sebo em grande quantidade - e como tal tem facilidade em executar certos malabarismos que podem ser complicados para um país antigo de quase um milénio. Estes tipos são desapegados. São desapegados ao material que apreciam. Sim, gostam muito da sua televisão de 50 polegadas, mas deixam de gostar assim que surge a de 70 polegadas. Têm esta facilidade de largar tudo. As casas são de madeira. Fazem-se e desfazem-se a cada tornado. Tentam fazer alguma de tijolo? não. Refazem-na de madeira. Ou mudam de estado. Começam do zero. Criam coisas novas. Há algo no caminho disso? deite-se por terra. Não custa muito, são só coisas, prédios ou ideias. Tudo se renova menos a sacrossanta constituição.
Por aí, temos muita dificuldade em deixar ir. Somos hoarders, nisso. Ter muita história antiga não nos ajuda a criar uma nova. O terror de perder a calçada portuguesa foi um exemplo. Não é a solução ideal, mas não a descartamos, nem em parte. Guardamos tudo no sótão e vamos deixando acumular e ganhar pó, mesmo que dê um ataque de asma ou um tralho semanal pela escada abaixo. Não demolimos nada, deixamos expirar. O Porto é um bocado assim. A Ribeira toda não cai porque é de pedra. Mas já expirou.
Aqui, não deixam a história ganhar pó, faz-se todos os dias de one-man-shows.
 

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

Coisas que me deixam preocupado

O debate sobre a calçada portuguesa.

Vamos lá ser práticos. A puta da calçada não dá jeito. De tempos a tempos dou tralhos monumentais em frente ao Monumental, Deus a ver e não me ajuda, escorregando na puta da calçada. Reparem, não ando de saltos. Nem de sapato italiano. Metam pisos decentes onde eles fazem falta, é uma escolha racional. São estas merdas que me deixam preocupado, porque não há muita racionalidade nas discussões, também faz parte de ser português ser exagerado e dramático, e isto é algo que sei que é possível resolver de um modo racional e atempado, por outro lado sei que o Poder acaba por fazer o que entende porque podemos ficar a discutir temas como este ou a qualidade dos candeeiros do Chiado durante uma semana inteira e o pessoal - até os funcionários públicos - tem mais que fazer. Estou a imaginar um Prós-e-Contras à volta deste tema na próxima semana.

O país daqui ao longe

Vivemos num paraíso perdido, é o que me parece daqui. É complicado explicar isto, mas os Portugueses são principes, há uma nobreza na ingenuidade com que vamos sendo um povinho preocupado, e preocupado é o problema maior, com o que nos assola, o poder é que nos assola mais, nisso somos do pior, mas dizia somos um povo preocupado. Não somos tristes, somos preocupados. Deixamos andar e andamos preocupados. Não resolvemos, ficamos preocupados, sabemos o que vem lá, mais cedo ou mais tarde. Perdemos o tempo nisto em vez de começar qualquer coisa do zero. E quando um tuga consegue ir além deste fado adiado, emigra. É mais fácil que deixar de se preocupar com o que não muda.

 Nota do emigrante temporário que diz sempre que não quer sair de Portugal porque gosta mesmo do país onde vive:
Apesar de tudo o que os taxistas possam dizer, Portugal não tem exclusividade nem particular tendência na burrice, Isto só em Portugal, dizem os taxistas com uma moca de Rio Maior numa mão e uma sandes de torresmos na outra. Não, isso que só acontece em Portugal acontece em todo o lado. O que não acontece em todo o lado é termos um país espetacular ( ainda que cheio de taxistas ).


segunda-feira, fevereiro 17, 2014

Os nomes

Fui perder-me pelo deserto. Aqui há deserto. O deserto é grande e imponente. Em Portugal o mais parecido que temos com o deserto é a Amareleja. O Alentejo é vasto  mas não é imponente. É só bonito. É do nome. Uma terra que se chama Amareleja não pode ser imponente, é só quente e isolada. Aqui eles resolveram isso, acho que por compensação. O Americano é um ser social, já reparei. Fala, fala, fala, expõe, troca, fala, vende. Um Americano que vai viver para o deserto tem de justificar-se perante os outros Americanos. Por isso tiveram cuidado com os nomes. Um deserto aqui chama-se Death Valley. É melhor que Amareleja. Dizer que se vive ao pé de Furnace Creek é diferente de dizer que se vive ao lado de Aljustrel. Há sempre uma maneira de vender qualquer coisa aqui. Nem que sejam só nomes.

sexta-feira, fevereiro 07, 2014

Ensinamentos da Califórnia I

Numa frase, o que interessa é o que se diz depois do "mas".

quarta-feira, fevereiro 05, 2014

A cena dos quadros do Miró

Os americanos são burros, diz a tradição. Realmente, ando por aqui e encontro coisas deprimentes. É os chapéus do Duck Dinasty no supermercado, é aquelas tretas plantadas à beira da estrada, dinossauros em tamanho real feitos de sucata, aquelas road-side atractions dos lumox, essas bimbalhices todas. E este pessoal paga por isso. Gastam dinheiro, que não é pouco, nessa merda.

Mas também gastam dinheiro no Moma e no SFMOMA, para ver Picassos, Van Goghs, Pollocks e... Mirós.


terça-feira, fevereiro 04, 2014

O país do Lessaz Faire

Sabemos como é: chegamos a outra terra e não temos ninguém conhecido, ninguém a quem damos importância, nenhuma família num raio de 2000 km e começamos a portar-nos de maneira diferente. Agora imagine-se um continente inteiro feito de emigrantes. Aqui ninguém tem problemas em fazer figura de emigrante, tanto que é a figura habitual que fazem. Acho que é isso que é ser americano: ser um emigrante à vontade. Ninguém deve nada a ninguém, não há horas para nada, metem conversa sobre qualquer assunto com qualquer pessoa - um género de Bairro Alto nos anos 90, onde havia tertulias em cada mesa - que encontram na fila do supermercado ou na paragem do comboio, debatem todo o tipo de temas no autocarro e desmontaram o significado de despropositado. Pode-se fazer tudo até que a lei diga alguma coisa em contrário.


sábado, fevereiro 01, 2014

A Califórnia é o mundo ao contrário

Ontem fui jantar a um restaurante português. As saudades apertavam, pegámos no carro e fizemos 20 km para comer um bitoque.

Entrei e o mundo mudou: a dona do restaurante trouxe salada mas com molho de queijo em Portugal não se condimenta salada ela quer-se seca ou a escorrer vinagre, parece que temos de sofrer a salada e antes e não ao lado do bitoque e paguei pelo bitoque manhoso o que pagaria por um bife da alcatra nos Passarinhos. Entrou um kéfrô, o kefrô era uma mulher, não era um homem, era uma mulher mexicana que tentou vender rosas de um balde o balde enorme, na mesa dos indianos, um deles regateou com ela a ver quantas rosas é que sacava por 2 dolares, os outros discutiam bitcoins e depois pediram Molotov what's Molotov? what is it made of? Is it big? e depois a gozar com o pudim Molotov que tinham pedido a meias a medo de não achar muita piada a aquilo e tentavam adivinhar do que era feito, lá perceberam que era com claras e muito a medo lá o acabaram aos poucos, 6 gajos a partilhar um Molotov, acham um Molotov grande.

Mas o bitoque caiu mesmo bem.