Abençoados. Os que conseguem seguir em linha recta sem fazer perguntas daquelas que fazem comichão. Os que ignoram abismos e não espreitam pela porta proibida. Os que conseguem não virar do avesso o que amam, não escarafunchar e querer conhecer tudo, em especial o que doi e incomoda. Os que tapam as feridas em vez de as expor em praça pública, os que não trazem nas mãos o coração aberto ao vento, são sensatos e nunca traíram ou mentiram. Os que conseguem viver mais ou menos, gostar mais ou menos, foder mais ou menos. Os que nunca sofrem insónias, nunca bebem demais nem levantam a voz. Abençoados esses que nunca cruzaram a ténue linha que nos separa da loucura, nunca questionaram se essa linha será mais à frente mais ao lado, ou mesmo aqui. Os que não ouvem mil vezes canções que fazem mal e sempre se inibiram de escrever versos medíocres. Abençoados. Parece-me bem que é deles este reino da terra.
in Xá de limão.
via Crónica das horas perdidas
Escrever é isto! Porra. Também quero.
1 comentário:
Não ser capaz de alinhar com o rebanho em que se nasceu. Haverá maior provação do que essa?
Se estás destinado a ser carpinteiro tens que ser carpinteiro e mais nada, escultura é coisa para maricas. Desde quando é que os serventes de pedreiro se põem a desenhar casas? Se nasceste no meio de analfabetos para que te agarras aos livros como se fossem a coisa melhor do mundo? Se aqui toda a gente arrota e dá traques à mesa, para que te pões tu com esses modos de senhora chique, a virar a cara para o lado?
E então fica-se a um canto da sala, a congeminar outros mundos que não aquele a que se está confinado. No dia de Carnaval os outros põem as máscaras, a sua fica agarrada à cara o ano inteiro. Passam-se muitas horas em silêncio, a sós com desejos e sonhos e raivas e medos, tantos medos, tantos. A casa é pequena e tem tectos baixos, obriga a andar curvado. Mas é uma casa, e nunca nos vai abandonar, se não a abandonarmos. Fora dela é a escuridão, o vazio, o desconhecido.
O diferente.
Quantos não ficam vergados por esses medos e se deixam ficar, num esforço eterno para alinharem com o rebanho onde, por fatalidade ou desafio divino, foram parar. Quem os poderá censurar, a solidão custa tanto a suportar.
Outros porém, não conseguem lidar com esta insatisfação. Aceitam a solidão como boa companheira e desalinham do rebanho. Colocam uma nova máscara, feita de bom-humor perante a incompreensão, indiferença face à rejeição. Revestem-na com determinação, para assegurar que a parte da frente não se desmorona. E com ela caminham, à procura dos mundos que lhe pertencem, não por nascimento, mas pela vontade de mais Ser.
Para os que caminham, para os que ficam parados, a provação é grande e o preço a pagar é elevado. Em dia de Carnaval tiram as máscaras e choram baixinho a dor das escolhas que ficaram por tomar.
in http://www.blimunda7luas.blogspot.com/
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