Esse oásis distante, a margem sul. Se eu fumasse, estaria a dizer isto sentado à beira rio, no Cais do Sodré, calmamente, o fumo levado pelo vento, sem esforço. Perscrutava o horizonte, o olhar sereno registava o casario distante, as gaivotas, os cacilheiros no seu lufa-lufa eterno, a bruma a dissolver tudo isto numa mescla de rio e de cidade.
E é assim que vejo a margem sul. À distância. Só com distância surgem laivos poéticos.
A bruma denuncia a distância, aliás.
- "Bruma? foda-se, aquilo deve ser já longe, não?"
Eu já vivi longe de Lisboa. Bem longe. A distância era (como no caso da margem sul ) psicológica, mas também era física e bem física. E dizia eu a toda gente:
- Longe? não, apanho o autocarro e estou cá em 15 minutos.
- 15 minutos? ó pá. São 90km tás parvo?
- Juro. Podes perguntar por aí.
Estão a ver o padrão. Porque por mais que me digam "ah, é só apanhar o barco.", atravessar o Tejo é dobrar o Cabo das Tormentas. Não há quem dobre cabos por dá cá aquela palha. Sem dose extra de coragem e sede de desafios. Muita fibra. cascos dela.
E este rio que separa as cidades faz a diferença. Construiram pontes, obrigam-nos a pagar a entrada na Cidade a euros, mas o regresso no cacilheiro a óbolos - apesar do barqueiro ir de trimaran.
A margem sul é diferente. É isso que define a margem sul. E se eu fumasse, acabava o cigarro agora.
adenda: o Prezado é um cidadão do mundo. Mas vive em Lisboa, de momento. Mas vê-se em qualquer lado. Paris, Chelas.
10 comentários:
Muito bom... a parte final, sobretudo!
Obrigado Pitu.
Beijos
Fui menino de Lisboa por 27 anos. Lisboa de verdade. A Avenida da Liberdade era o recreio de brincar com os amigos. Agora vivo na margem Sul e em nada me arrependo.
E sim, demoro pouco mais de 20 minutos a chegar ao Marquês de Pombal. Comboio. Essa grande obra da revolução industrial que veio aproximar as duas margens e que faz com que atravessar o Tejo não seja nenhum Cabo das Tormentas.
Continuo a amar Lisboa. Mas descobri uma nova paixão. É como dizes e bem, a margem Sul realmente é diferente. É preciso aprender a vive-la.
Abraço,
Margem-sul é porreiro de falar, porque é um conceito tão amplo como dizer "moro em Lisboa", sem dizer onde. Como se os Olivais - bato na madeira - fossem o mesmo que o Saldanha ou que Alcantara. E se moras à porta do comboio...
Nada como uma viagem de cacilheiro ao final do dia, experimenta.
Só para ir ao Avante.
Prezado, não moro à porta do comboio. Moro relativamente perto. Mas ainda assim tenho que ir de carro até à estação e lá o deixo no parque.
É um conceito amplo, sim. Morar na margem Sul tanto pode ser em Almada como na Costa da Caparica, na Sobreda, no Monte da Caparica, na Charneca da Caparica, na Amora, no Seixal, em Corroios, no Montijo, na Moita, no Barreiro, em Coina, em Azeitão, em Palmela, em Setúbal, em Sesimbra...
As pessoas criaram um preconceito em relação à margem Sul que não dá para compreender. No entanto, a distância que as afasta da margem Sul ao longo do ano depressa se esquece no Verão. E é ver essa gente toda, talvez tu também, a dobrar o "Cabo das Tormentas" por um dia de Sol e praia. E regressar a casa com o desejo de cá voltar no dia seguinte ou talvez depois.
Na margem Sul há tanta ou mais qualidade de vida que em Lisboa. E quem tem maior poder económico dá-se ao luxo de poder viver junto ao mar, na Herdade da Aroeira ou no novo complexo turístico de Tróia, que são bons exemplos de que deste lado também há lugar para luxos.
E há uma vista fantástica para Lisboa, sobretudo de noite. E isso, ninguém pode negar. : )
Dono,
Isso é exactamente o que todos dizem. Expliquem o preconceito então. Eu continuo a dizer que é diferente.
Tás a ver? Vista? Nem isso a maargem sul me dá, só vejo o Cristo Rei à noite.
( espero a entrada de algum desses tipos do preconceito, que isto dará debate para 15 dias. )
Talvez tu possas explicar um pouco dessa aversão pela margem Sul. Eu não posso, visto entender perfeitamente o que é morar dos dois lados do Tejo. E digo-te, não me falta nada do lado de cá.
Até dá ideia que Lisboa é o centro de Portugal e que fora isso, tudo o resto é desprezível. Lisboa é linda e é um privilégio morar no centro de Lisboa, sim. Mas daí dizer que é preciso tomates para se abdicar disso é um tremendo disparate.
Não é aversão, é preconceito.
A margem sul está para Lisboa como os japoneses estão para os ocidentais.
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