sábado, fevereiro 22, 2014

Daqui à distância



Este país aqui é enorme, novo, e feito por gente que não é de cá - aos de cá limparam-lhes o sebo em grande quantidade - e como tal tem facilidade em executar certos malabarismos que podem ser complicados para um país antigo de quase um milénio. Estes tipos são desapegados. São desapegados ao material que apreciam. Sim, gostam muito da sua televisão de 50 polegadas, mas deixam de gostar assim que surge a de 70 polegadas. Têm esta facilidade de largar tudo. As casas são de madeira. Fazem-se e desfazem-se a cada tornado. Tentam fazer alguma de tijolo? não. Refazem-na de madeira. Ou mudam de estado. Começam do zero. Criam coisas novas. Há algo no caminho disso? deite-se por terra. Não custa muito, são só coisas, prédios ou ideias. Tudo se renova menos a sacrossanta constituição.
Por aí, temos muita dificuldade em deixar ir. Somos hoarders, nisso. Ter muita história antiga não nos ajuda a criar uma nova. O terror de perder a calçada portuguesa foi um exemplo. Não é a solução ideal, mas não a descartamos, nem em parte. Guardamos tudo no sótão e vamos deixando acumular e ganhar pó, mesmo que dê um ataque de asma ou um tralho semanal pela escada abaixo. Não demolimos nada, deixamos expirar. O Porto é um bocado assim. A Ribeira toda não cai porque é de pedra. Mas já expirou.
Aqui, não deixam a história ganhar pó, faz-se todos os dias de one-man-shows.
 

4 comentários:

António P. disse...

Mais um belo texto que retrata bem aquilo que eu também vi por aí, caro Prezado.
Temos que nos encontrar quando regressar.
Abraço

Anónimo disse...

Ai Prezado, escreves tão bem....

Prezado disse...

António,
Isto também não muda assim tanto, afinal.

Anónimo(a), Isso acabava com "faz-me um filho" depois das reticências?

D.S. disse...

Há um livro pequenino mas maravilhoso do George Steiner onde ele reflete precisamente nisso, o peso da História para os europeus e a leveza desta na mentalidade dos americanos. Ele até faz o reparo das ruas, que na América é tudo corrido a números e na Europa são nomes de batalhas, lugares, militares, políticos, figuras históricas.
O livro chama-se "A Ideia de Europa".