quinta-feira, abril 05, 2012

A condição tuga

Ontem apanhei um discurso raro, da ala moderada do taxismo.
Dizia o senhor Zé que esteve nos Estados Unidos uns anos, esteve na Alemanha e esteve na França. Ganha-se bem por lá, disse-me ele. Mas trabalha-se muito.
Dizia-me que nos Estados Unidos não lhes pagam para pensar, mas trabalham muito. Cada um por si. Dizia que preferia os Alemães. Valorizam mais a iniciativa individual. Mas também se fartam de trabalhar. Então e em Portugal?
Em Portugal está-se bem. Não se arrisca muito, não se perde muito, mas também não se ganha muito. É mesmo assim: temos boa comida, temos sol, trabalha-se. Não vale a pena levantar cabelo por muita coisa. Somos poucos e o pessoal que manda são meia dúzia de famílias. É melhor passar despercebido. No fim de cada frase, ria-se. Disse que lá fora é tudo muito melhor, que ganhamos muito mais, mas não há sol. Como alguém me disse, provalmente estava sob o efeito de xanax.


Depois penso em notícias como esta, somo ao que ouço e vejo , recordo o historial de depressão do povinho, que não está habituado a levantar a grimpa e a quem pedem agora para enfrentar o futuro dando o peito às balas e obviamente o povinho não é parvo, faz como o governo, baixa os olhos, paga o que deve e bebe menos bicas, compra menos jornais, come menos e tenta passar por tudo isto sem se chatear. Empreendedorismo? dar a volta por cima? Arrisquem vocês.

Ainda fiquei a saber que há uns anos, havia muitos polícias que eram taxistas em part-time. Isto sim, é cultura.

10 comentários:

calhou calhar disse...

curiosa lista custos/benefícios... também sou dessas que faz a fotossíntese...

Prezado disse...

Não é por nada que todos os dias, todos os programas promovem a iniciativa privada. É porque não existe. Voltando ao tema do post anterior, se estivessemos habituados a investir para produzir ou criar ( e não apenas para fazer vista ), a figura do designer / outra-profissão-liberal-qualquer não seria a de alguém que se tem de limitar a fazer o que lhe pedem e cujas mais-valias são cilindradas caso se tornem muito visíveis.

Clara disse...

não é à toa que há uma relação directa entre a percentagem de sol/bom tempo e a baixa produtividade de um país - é ver a maioria dos países africanos, brasil, polinésia. já na noruega ou suécia, onde está sempre a chover e frio a vontade de trabalhar é muito maior, não têm grande alternativa.

em relação à notícia, a grécia (onde eles são brutos como as casas e já partiram a loiça toda em manifestações sucessivas) está ainda pior que nós, pelo que a atitude do povo tem muita piada e tal mas já agora convinha conseguir aplicá-la da maneira certa, se é só para mandar socos aos polícias e fazer cair governos para a seguir enfiar lá uns ainda piores, dispenso.

a nossa falta (e pelos vistos dos gregos tb) de ver um boi à frente, de protestar da maneira errada, de usar constantemente mal os meios de protesto que temos transformou a nossa democracia na maior fantochada possível.

lembro-me sempre de um sr. já com uma certa idade que empancou a fila de atendimento na estação baixa-chiado porque o cartão que lhe davam para substituir o 7 colinas era o lisboa viva (foi quando deixaram de fazer o 7 colinas). aí estava ele a preencher o livro de reclamações porque o cartão novo não era igual ao antigo (tinha bonecos diferentes). isto para mim é o português típico: reclama muito mas nunca da forma certa.

Prezado disse...

Eu não chamaria "baixa-produtividade". O Brasil é a economia emergente do momento ( raio do comuna ) e continua a ter sol e trabalha-se. Diria baixa-necessidade-de-esforço. Sim, se o sol dá bananas aos cachos, para quê mexer-me? não é por nada que usamos a expressão "trabalhar para aquecer".
Quanto à Grécia e aos países que têm os políticos que merecem, infelizmente como diz o Sérgio Godinho, isto anda tudo ligado. Eu digo que a ligação começa na educação. Não é por acaso que nos países nórdicos afectados pela crise, os cenários foram bastante diferentes - ainda assim lembro-me de ver 3 janelas a serem partidas em Reykjavic, nem imagino a revolta que sentia aquela gente para ser capaz de fazer uma cena dessas - e eles meteram os políticos no lugar - um ou dois foram metidos em tribunal por má gestão - e a economia no lugar. Porque é que funcionou? porque são educados. Porque param para pensar. Pensar, raciocinar, ponderar, só vem da educação. Um povinho brutalizado pela ignorância e pela corrupção, sempre de pés atados, pode pedir-se mais do que no exemplo que deste?
O português médio - é o meu tio - diz que trabalhar é acartar caixotes. E a partir daí, eu calo-me.

Clara disse...

o brasil é emergente porque tem petróleo. dá-lhe 3 anos para ver o que vai acontecer quando estoirarem com tudo. não tem a ver com produtividade e a educação é só a ponta do lençol.

a produtividade é uma treta, não há termo linguístico que me enoje mais. podemos produzir até ao tecto mas depois se não tivermos para onde exportar (visto que somos um mercado mínimo, 4x menor que a espanha, 100x menor que os EUA) deitamos tudo fora.

não somos nordicamente civilizados, não temos de ser, nenhum povo pode desejar ser culturalmente identico a outro. temos é que parar de eleger políticos corruptos e isso só vai lá quando existir uma justiça capaz. temos das mais baixas confianças na justiça do mundo (totalmente justificadas, acho), enquanto nos EUA têm das mais altas. aposto como na islândia tb (procurei o artigo mas n encontrei, li num jornal).

Prezado disse...

Eu não quero que este país seja culturalmente idêntico a nenhum outro, eu falei de educação. Educação não é cultura, nunca vamos ser nórdicos, vá lá... Educação é para abrir horizontes.
Antes da produtividade chegar à exportação, tem de ser efectiva e tem se produzir. Sei bem, somos meia duzia e temos de produzir em quantidade. Ainda assim, chateia-me mais ver a eterna má gestão dar cabo de tudo quanto é projecto. Graças à tal falta de educação, a gestão em portugal não é profissional, é de merceeiro. Exemplo que gosto: Dicionário Priberam online. Porque um nome tão manhoso? porque são as 3 primeiras silabas dos nomes dos 3 sócios... É o mesmo critério usado pelos pescadores para baptizar os barcos... As noções elementares de marketing estão reservadas às empresas "novas", que a muito custo vão ganhando mercado.
Produtividade portuguesa é uma treta? É. No entanto, o pessoal farta-se de trabalhar. E acrescento eu, de borla.
Quanto à justiça, de acordo. Vive-se com impunidade. Pela demora, pela ineficácia. Claro que não é para todos...

Julie D´aiglemont disse...

Vim cá só para te desejar uma boa Páscoa e reclamar por não haver "riscos pedidos".

Prezado disse...

Julie, estou de volta dos outros, a pagar.

Uma santa pascoa para si e bem haja.

calhou calhar disse...

o facto de não existir iniciativa privada deve-se em boa parte ao facto de termos tido um regime político autoritário e corporativista durante anos e que, sem dúvida, nos moldou em termos culturais e até psicológicos. o paizinho Salazar não permitia grandes voos individuais, mas garantia o pão.
e podia continuar a desenvolver o assunto, mas já estou fartinha destas conversas. é que cansa como o raio... e revolta. e eu gosto dos Gregos e da sua luta corpo-a-corpo. à vezes temos que dar um murro na mesa.

calhou calhar disse...

p.s.: e não foram os povos com as suas formas de protesto que tornaram as democracias uma fantochada. foram os (des)governos com as suas elites políticas corruptas, trocando favores e fazendo alianças promiscuas com algumas corporações, (empresários, juristas...) de forma a assegurarem impunemente as suas falcatruas e o enchimento dos seus bolsos.
sem dúvida que está na altura dos tugas se tornarem mais autónomos e se encherem de iniciativa para varrerem esta corja do(s) poleiro(s).
e acho incrível só estimularem a autonomia do zé povinho quando anda tudo à rasca sem ter dinheiro, (nem possibilidade de crédito) para mandar cantar um cego!