Depois de passar os manifestantes no Bairro, acabamos no Cais do Sodré. Na tasca do costume, um D.J. à beira dos 30 partilhava os sms's que trocava com uma amiga prestes a ganhar outro colorido. Mesa-a-mesa, duas filas de cadeiras pelo meio, a conversa seguia.
-Ela sabe onde moro, porque é que me pergunta se tenho onde dormir hoje? - ( estamos a falar de alguém bastante embriagado, lógico. )
-eeeh, acho que ela quer coisa... diz que vais ter com ela.
-Achas mesmo? epá a gente dá-se bem e tal, eu tou a achar isto estranho, ainda assim...
-Claro que sim, manda sms, pá. Faz-te à vida...
Nisto, entram três pessoas e sentam-se, interrompendo a conversa.
Um preto, uma modelo e um gajo com cara de chaufeur. Digo "modelo", porque nenhuma miuda de 1,80m consegue enfiar-se dentro de uns calções tão pequenos. "Chaufeur" porque tinha um blusão de pele e o cabelinho todo aparado à pintas, e "preto", porque era preto mesmo. O senhor Tenório, empregado, dono de uma fraca habilidade para atender pessoas e de uma destreza física a condizer, pergunta o que querem. Têm de dizer devagar, porque o senhor Tenório tem dificuldade em memorizar itens de tasca - eu tentei. "duas bifanas, duas Superbocks e mostarda, s.f.f.". Não deu. Tive de tentar outra vez - e como anda com as mãos sempre emaranhadas uma na outra, não anota nada. Estranho, tão prestável que ele estava.
Nisto, dizem-me...
-Olha lá, não é um jogador de futebol?
Podia ser. Só se fosse o Figo, o Simão Sabrosa, o Deco ou o Ricardo é que eu reconheceria um jogador da bola. ( Um porque tem uma mulher gira, outro porque aparece na Caras, outro porque aparece nas placas dos gelados que eu não gosto, e outro porque defende bolas sem luvas. )
Mas era. Daqueles que toda a gente conhece, menos eu. Sentado ao meu lado, na conversa.
De repente a tasca deixa de ser tasca, os empregados deixam de ser pachorrentos, o senhor António deixa de querer pagamento contra-entrega, o senhor Tenório faz-se esperto. Os homens tiram fotos com o herói, as mulheres perguntam-se como é que a lambisgoia faz o buço sem se cortar e se os calções são da Zara Kids. Curta descida aos infernos, as celebridades saem, deixando na tasca a ambicionada confirmação de qualidade - "Costumo ir aquela tasca... até lá vão modelos e jogadores de futebol.".
Burros, assim o gajo nunca mais lá volta. Se ele quisesse ser bem atendido, tinha ido comer uma tosta de 40 Euros ao Eleven. Felizmente, o empregado ainda veio com a unha dentro do molho de 98 octanas das moelas. Haja etiqueta.
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