segunda-feira, maio 21, 2012

carapauzinhos fritos

Esquema de imobilização de arco
A semana passada pude acompanhar a primeira visita de um americano a Lisboa.  Servir de cicerone é das coisas a que um português mais rapidamente se presta, digo que é das suas actividades preferidas, praticamente taco-a-taco com com servir de Carrasco do país. Isto porque ouvindo o inglês - que não é mau, tirando tempos verbais e expressões correntes escorridas à letra - de toda a gente com quem contactou, imagino a bela imagem que leva do país.
Não é por nada que temos a esfera armilar como símbolo dos tempos mais gloriosos da nação.  Não tem a ver com a expansão das rotas comerciais como normalmente é relatado por saudosistas-optimistas. É apenas um esquema visual de como se procede à imobilização de um arco em movimento. Como é sabido, é o imobilismo o produto mais produzido em Portugal. Aos olhos de um americano, vivemos num oldie: a comida que gostamos é feita numa caixa com brasas, ouvimos fado, somos tristes pobres mas sem ambição e vícios caros, as paredes do restaurante estão cheias de charruas, a zona nova da cidade está lá longe e não interessa a ninguém e quem tentar demonstrar o oposto eu próprio confirmo que está é parvo. Alfama, pois claro. Que a expo só serve para andar de bicicleta vintage.
 Todos os portugueses que a título de trabalho se lhe dirigiram e com quem pude participar em conversas, confirmaram-lhe o óbvio: estamos pelo menos 30 anos atrás dos Estados Unidos. O Passos nesta tentativa parva de que cheguemos ao capitalismo pleno em 15 dias está claramente a dirigir-se às pessoas erradas - eu sei isso, tu sabes isso, mas ele não vive neste mundo - devia experimentar dirigir-se aos empresários, aos gestores, enfim. Tuga após tuga, os lamentos habituais. O americano está cá para falar de empreendedorismo real, tangível, processos de trabalho, optimização, criatividade e as perguntas todas que ouviu, reduzidas a uma pergunta média, seria algo como "como é que eu convenço o meu cliente que o meu trabalho serve para alguma coisa?".  E por aí adiante. É verdade, é um país parado no tempo. Mas não é pelos miúdos. São os pais deles. Ao contrário do país do filme de onde veio o estrangeiro, este país é para velhos. Primeiro alaparam-se ao poder, depois alaparam-se ao dinheiro. O monopólio à base de xico-espertismo é um só e espalha-se em todas as áreas, o importante é manter a produção pensada à maneira de 1970 ( ou anterior, de preferência ), como a aprenderam. Assim se mantém o mercado, a cultura, o trabalho, a criatividade, a arte. Tudo isto porque há bocado li esta entrevista e o que é dito sobre o humor - ninguém diria, mas é um tema que eu gosto - e lendo este trecho, vi-o a ser a imagem de qualquer outra área de trabalho neste país.
"Ainda falta desenvolver o humor em Portugal?
Imenso. Estamos décadas atrasados. O público geral descobriu os Monthy Phyton 30 anos depois de eles terem feito o “Flying Circus”, através do Gato Fedorento. Agora já só há uma discrepância de dez ou 15 anos. A malta que está a começar a fazer coisas em televisão está a descobrir o Ricky Gervais, quando o deviam ter descoberto há dez anos. (...) O que eles querem ouvir é que “isto é tipo o (inserir nome de série que fez sucesso no estrangeiro há dois anos atrás) mas com o (actor X que está a fazer sucesso agora)” (risos). O principal problema da nossa comédia é que de um lado da barricada tens a malta que ainda vive com os fantasmas da Revista e daquele humor brejeiro que já devia ter morrido há 20 anos atrás; e do outro lado tens os renovadores, que são renovadores cá, mas que estão a pegar em Jerry Seinfeld, Larry David ou Ricky Gervais e a tentar fazer as versões portuguesas daquilo que eles já fizeram. É uma pena porque nós temos identidade própria. Podemos ter boa comédia portuguesa, não precisamos de ir buscar tudo a Inglaterra ou aos Estados Unidos."
 O americano levou a ideia de um país com gente esforçada mas muito limitada, agarrada ao passado, que é a única coisa que pensamos que nos distingue. Se levasse outra imagem daqui, não seria a real.

5 comentários:

Jibóia Cega disse...

Muito bem apurado este guisado. Serve aí mais meio pratinho, anda!

Xuxi disse...

it is what it is bro!

Izzie disse...

Este post está tão bom, caneco.

(vou ler a entrevista e folgo em saber que o projecto Capitão Falcão desencalhou. por cá fazem-se coisas boas, que fazem. Visto o Mundo Catita? Tão bom.)

Clara disse...

true that. se calhar é por estarmos sempre agarrados ao passado que não conseguimos acompanhar o resto do mundo, os americanos não têm um passado comum.

Prezado disse...

Gracias. Ainda tive uns momentos de vergonha alheia, mas é que o tuga está mesmo habituado a pensar pequeno, não o deixam ser de outra forma...

Izzie,

Ainda não vi, mea culpa.


Clara,
Por mim óptimo - http://www.youtube.com/watch?v=bivsP_h6l0 - desde que não rebentem com Alfama ou com a Madragoa. O problema é que isto só dá para arriscar mudarmo-nos para 2012 se o pessoal do capital se mudar também. E eles não querem.